Terceirização no campo – o caminho da vaca

Por Leomar Daroncho*

Circula na mídia manifestação que dá a entender que, por medida de “justiça”, a relação entre trabalhadores e proprietários rurais também deveria ser submetida às regras do Projeto de Lei nº 4.330/2004. 

Nas cidades, a terceirização é claramente identificada com o subemprego. Submetem-se a ela, em geral, trabalhadores de baixa qualificação, a quem não resta alternativa de ocupação lícita.

A cantilena da campanha em prol da terceirização sustenta-se em argumentos que não encontram qualquer amparo na realidade.

Os Tribunais e a dura realidade da vida real demonstram que esses trabalhadores são verdadeiros párias da sociedade. Desempenham as funções menos valorizadas. São as vítimas preferenciais dos acidentes de trabalho. Vivem a quase certeza de que seu salário não será pago em dia. Raramente recebem as verbas rescisórias no final de seus curtos contratos de trabalho.

A Administração Pública, inclusive os Fóruns Trabalhistas, convivem com empresas terceirizadas que lhes prestam serviços e que, repentinamente, somem. Os trabalhadores ficam “na mão” e a conta, invariavelmente, é assumida pelos cofres públicos.

Só mesmo a alquimia da propaganda para maquiar essa realidade e vender uma proposta que precariza a vida do trabalhador como algo que deva ser ampliado à atividade-fim.

Ao afastar o trabalhador da empresa, artificialmente, a terceirização produz um capitalismo sem responsabilidade e de baixíssimo custo. Nosso modelo já é considerado uma aberração entre as economias ocidentais. A perversidade da iniciativa é tão marcante que desperta a curiosidade dos estudiosos de outros países. De fato, a “terceirização à brasileira”, enfrentada com argumentos honestos, é indefensável!

Mas, invocando uma pérola do pessimismo, somos confrontados com a evidência de que nada é tão ruim que não possa ser piorado!

A ousadia de uma proposta que lembre a possibilidade de aplicação desse maléfico modelo às relações de trabalho no espaço rural merece considerações de ordem prática.

É fato que esse setor produtivo possui características muito próprias e distintas. No campo, a realidade do trabalhador é mais dura.

O Centro-Oeste brasileiro experimenta expressiva pujança econômica. O agronegócio vem apresentando espantosos índices de produção e de produtividade. Com frequência surgem matérias que alardeiam as repentinas fortunas surgidas.

O Governo de Mato Grosso, por sua vez, admite que o estado padece com o segundo pior desempenho no ensino médio no Brasil. No meio rural, especialmente nas fronteiras agrícolas, o analfabetismo funcional ainda é muito alto. Há dados que indicam que pode chegar a 80%.

Nesse trote, o Brasil consolidou-se como o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo. Em 2009, consumimos 5,2 litros de veneno por habitante. Em Mato Grosso, o índice de consumo chegou a 43 litros. Dados recentes indicam que em alguns municípios registrou-se o assustador índice de 400 litros por habitante por ano. Esses números não consideram os produtos clandestinos e/ou contrabandeados.

É fácil perceber a tragédia humana que pode estar sendo gestada com tanta gente analfabeta manuseando tamanha quantidade de veneno. Dados da Organização Mundial da Saúde apontam que para cada caso diagnosticado de envenenamento no campo há outros 50 não notificados.

De quem reclamaria o trabalhador contaminado, vítima de doença crônica e incapacitado para o trabalho, anos depois de ter trabalhado para diversos tomadores de serviços terceirizados?

Nas fronteiras agrícolas, as distâncias são grandes. Há casos em que a perícia do INSS está situada a 500 Km da fazenda.

A capacidade de organização coletiva ou de reparação de direitos lesados é dificultada, também, pela provável contratação de empresas terceirizadas com sede em outros estados, e sem patrimônio, como já ocorre com os trabalhadores urbanos.

Difícil imaginar cenário mais desalentador para o homem do campo!

É certo que não se avançará no propósito de construção de uma sociedade justa e solidária, promovendo o bem de todos, com o arado andando para trás.

Desde Pero Vaz de Caminha sabe-se que essa é uma terra fértil. Apesar disso, o Brasil admitiu, por séculos, que a prosperidade agrícola fosse manchada pela escravidão humana.

Assim, nem chega a surpreender que se pretenda retomar modelos aviltantes de relações de trabalho. Resta-nos ao menos protestar para que a barbárie não seja atingida com o pretexto de ser uma medida de Justiça.

A vaca pode até estar indo para o brejo. Seguiremos tentando desatolá-la!

*LEOMAR DARONCHO é Procurador do Trabalho em Mato Grosso e Coordenador do Fórum Mato-grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos

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