Não à redução da maioridade trabalhista
Por Amanda Broecker*
27/07/2015 - Em 14 de julho de 2015, um dia após a comemoração dos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, realizou-se uma audiência pública na Câmara dos Deputados para debater sobre o limite etário mínimo para o trabalho, o qual é definido pela Constituição Federal e pela Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 18/2011 objetiva alterar o inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal e autorizar o trabalho a partir dos 14 anos de idade. Há outras três Propostas de Emenda à Constituição (PEC 35/2011, 274/2013 e 77/2015), apensadas à PEC 18/2011, que também tratam sobre a redução da maioridade laboral, em flagrante inconstitucionalidade e retrocesso social.
A justificativa do deputado federal, Dilceu Sperafico, autor da PEC 18/2011,"considero que se trata de uma ampliação dos seus direitos, na medida em que formaliza o trabalho daqueles que precisam trabalhar", corresponde a um mito do trabalho infantil e prejudica o futuro e o desenvolvimento do País.
Como assim "precisam trabalhar"? Será que realmente cabe à criança e ao adolescente prover o próprio sustento? Não! Aqui, há uma nítida inversão de valores, que perpetua o ciclo vicioso e nefasto de desqualificação profissional e de miséria. Afinal, a pobreza gera o trabalho infantil e o trabalho infantil gera a pobreza.
Devemos lembrar que é dever da família, do Estado e da sociedade a proteção integral das crianças e adolescentes, assegurando-lhes, dentre outros, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação e ao lazer.
A PEC 35/2011 acrescenta outro mito, de que o trabalho infantil é um "fator positivo para a sua formação moral e educacional". No trabalho a assimilação se dá pela imposição e não pela reflexão. Além disso, o trabalho gera baixo rendimento estudantil, além de contribuir para a evasão escolar, a qual é três vezes maior para as crianças e adolescentes que trabalham.
Tanto a justificativa da PEC 274/2013 quanto da PEC 77/2015 sugerem que o trabalho infantil elimina o ócio e reduz a criminalidade. Aqui, o mito trata as atividades lúdicas e o lazer, necessários ao pleno desenvolvimento pessoal, como um mal que deve ser combatido com a imposição de trabalho.
Além disso, as inconstitucionais propostas de emenda à Constituição buscam legitimar a crença discriminatória e absurda de que "é melhor trabalhar do que roubar". Preconceituosa, pois aponta que os adolescentes pobres possuem certa tendência ao envolvimento em atividades ilícitas e criminosas e, por isso, deveriam trabalhar. Absurda, pois a relação entre crime e trabalho é diretamente proporcional, ou seja, as crianças e adolescentes que trabalham, principalmente em logradouros públicos, estão muito mais vulneráveis e propensos a serem cooptadas pelo tráfico de drogas e pela exploração sexual comercial.
Parte da sociedade ainda enxerga o trabalho infantil como uma solução e não como problema social, que decepa vidas e sonhos de crianças e adolescentes, as quais sofrem traumas físicos, de trabalhos que mutilam e matam. Saliente-se que a cada minuto, uma criança ou adolescente sofre acidente de trabalho, doença ocupacional ou trauma psicológico, o que representa mais de 1440 acidentes por dia e aproximadamente 523 mil por ano, segundo dados da OIT.
É preciso ter coragem para desmistificar práticas aceitas historicamente pela sociedade e garantir o direito fundamental das crianças ao não trabalho e dos adolescentes, a partir dos 16 anos, ao trabalho protegido. O Brasil tem cerca de 3,1 milhões de crianças e adolescentes em condição de trabalho infantil. A aprovação da PEC 18/2011 significará um aumento desse número, o que vai de encontro ao compromisso firmado pelo Brasil de erradicar as Piores Formas de Trabalho Infantil até 2016 e todas as formas de trabalho infantil até 2020. Não podemos retroceder!
*AMANDA FERNANDES FERREIRA BROECKER é Procuradora do Trabalho em Mato Grosso
Artigo publicado originalmente no jornal A Gazeta do dia 20/07/2015