Agrotóxicos: 31 anos da tragédia de Bhopal

Por Leomar Daroncho*

09/12/2015 - Na semana passada tivemos mais uma data simbólica para lembrar dos riscos inerentes à exposição aos agrotóxicos. A tragédia que abateu a cidade de Bhopal, na Índia, completou 31 anos. Uma explosão numa fábrica de agrotóxicos - na madrugada do dia 3 de dezembro de 1984 - matou milhares de pessoas, com a formação de um exército de sequelados. Registrou-se cerca de 25 mil casos de cegueira, num universo de cerca de 50 mil incapacitados para o trabalho. Foi o maior desastre químico que se tem notícia.

O dia 3 de dezembro passou a ser lembrado no mundo inteiro como dia internacional de luta contra os agrotóxicos. Há relatos de que ainda hoje sobreviventes com doenças crônicas necessitam de cuidados médicos e uma segunda geração de crianças continua a sofrer com os efeitos da névoa letal.

O evento remete ao rumoroso caso ocorrido em Paulínia-SP, em que uma fábrica de agrotóxicos que funcionou da década de 1970 até o ano de 2002 contaminou trabalhadores, seus filhos e vizinhos da planta instalada no bairro Recanto dos Pássaros. Foram mais de 60 mortes, além de uma lista com mais de mil vítimas que recorreram à justiça para responsabilizar a Shell-Basf. O processo judicial, conduzido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), arrastou-se por anos.

Em 2013, foi celebrado acordo no Tribunal Superior do Trabalho (TST), pelo qual a empresa comprometeu-se a custear o atendimento médico vitalício aos contaminados, além de pagar cerca de R$ 200 milhões em indenização por danos morais coletivos e aproximadamente R$170 milhões aos ex-trabalhadores e seus dependentes, a título de indenização individual.

Assim, a data serve para lembrar também que o fantástico volume de agroquímicos produzidos não se destina ao armazenamento. Desse modo, é razoável esperar que o meio ambiente e as comunidades expostas à maciça aplicação desses produtos sejam afetadas.

Nos últimos anos, o Brasil consolidou-se como o maior mercado consumidor de agrotóxicos do mundo. Há dados indicando que consumimos mais de 5,3 litros por habitante. Em Mato Grosso, o consumo chegou a 43 litros por pessoa em 2013. Em alguns municípios do estado, chegou-se a registrar índice superior a 200 litros por habitante, sem que se considerem os produtos clandestinos ou contrabandeados.

Como se vê, o problema vai muito além da tradicional abordagem da grande mídia que foca a questão dos resíduos em alimentos.

Em abril de 2015 o Instituto Nacional do Câncer - INCA assinalou a existência de evidências científicas indicando que a exposição a pesticidas está ligada a casos de câncer. Com base em estudos de seus pesquisadores e trabalhos reavaliados pela Agência Internacional do Câncer - IARC, ligada à Organização Mundial da Saúde, recomendou a redução progressiva e sustentada da utilização de agrotóxicos nas plantações.

O desafio é grande, pois vivemos tempos de urgências e imperativos econômicos e sociais pela produção, especialmente nas fronteiras agrícolas.

As tragédias e as datas destinadas à sua lembrança são um convite à reflexão sobre a insanidade de algumas práticas que se mantêm, apesar das evidências científicas e dos alertas quanto aos riscos a que estamos expondo o ser humano.

*LEOMAR DARONCHO é Procurador do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT).

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 07/12/2015

 

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