Nota oficial da COETRAE-MT sobre a ação em São José do Rio Claro em MT que levou à prisão de vítimas de trabalho análogo à escravidão por desmatamento ilegal e porte ilegal de armas

No dia 03 de maio de 2016 dois trabalhadores foram encontrados em situação de trabalho análoga à escravidão durante a operação “Floresta” em São José do Rio Claro-MT, deflagrada em área de preservação ambiental que estava sendo desmatada ilegalmente. Contudo, acabaram presos por porte ilegal de arma e suposto crime ambiental.

A COETRAE, assim que tomou conhecimento pela imprensa do ocorrido, solicitou ao Governo do Estado de Mato Grosso, através da Secretaria Estadual de Segurança Pública – SESP, esclarecimentos sobre a prisão dos trabalhadores, por entender que estes foram vitimados duplamente ao serem presos após retirados da condição de violação de direitos na qual se encontravam.

No dia 09 de maio de 2016, reuniu-se no gabinete do Secretário da SESP, representante da SETAS (Alda Teresa Attílio); o Delegado Nilson Farias de Oliveira e o Investigador Rodrigo de São Jose do Rio Claro; e representantes da SESP no Estado (Secretario Adjunto e Delegados), para tratar das narrativas e esclarecimentos quanto ao ocorrido, principalmente os motivos que levaram à prisão de trabalhadores identificados com trabalho em situação análoga a de escravo. Os representantes da SESP, bem como o Delegado e o investigador que efetuaram o flagrante, se colocaram à disposição para participarem da próxima Reunião Ordinária da COETRAE, que ocorreu no dia seguinte, no auditório do Centro de Pastoral para Migrantes (CPM), para justificar e esclarecer os motivos e os fatos do ponto de vista dos responsáveis pela ação.

Segundo o delegado Nilson Farias de Oliveira, os dois trabalhadores estavam sendo submetidos a uma condição sub-humana; com uma alimentação precária, não tinham veículos e ficavam presos nesse local. No pagamento tudo era descontado. Diante dessa condição foi instaurado pelo Delegado inquérito a respeito da exploração de trabalho escravo. Foi relatado pela autoridade policial que foram encontradas armas no curso da diligência e, diante disso, eles foram presos por porte ilegal de armas e por extração ilegal de madeira e conduzidos à delegacia, sendo que o juiz local homologou a prisão dos detidos pelos dois crimes. Os dois trabalhadores foram levados para a Cadeia Pública de São José do Rio Claro.

Apesar de reconhecer que é de extrema importância a aproximação entre as autoridades de segurança para um diálogo sobre o assunto, a COETRAE entende que não se pode admitir a prisão dos trabalhadores, que foram contemplados com a liberdade provisória apenas em 10 de maio (após permanecerem presos por uma semana), principalmente diante do contexto de completa submissão e degradância a que estavam submetidos, considerando as excludentes de antijuridicidade e/ou culpabilidade incidentes e, principalmente, as normas que estabelecem a proteção das vítimas de violações de direitos humanos e, portanto repudia o procedimento, que levou inclusive à continuidade do processo de vinculação ao explorador através de seus advogados. 

A COETRAE lembra que a proteção das vítimas de violações de direitos humanos é objeto de diversas normas e deliberações de organismos internacionais. A Resolução 60/147 da ONU, aprovada em 2005 pela Assembléia Geral, que enuncia “Princípios e Diretrizes Básicas sobre o Direito a Recurso e Reparação para Vítimas de Violações Flagrantes das Normas Internacionais de Direitos Humanos [...]”, estabelece que a vítima deve receber “uma atenção e cuidado especiais a fim de evitar que ocorram novos traumatismos no âmbito dos processos judiciais e administrativos”. No mesmo sentido, o Protocolo Suplementar à Convenção 29 da OIT lembra a necessidade de adoção de medidas necessárias para assegurar que as autoridades competentes tenham a prerrogativa de não processar ou impor penas às vítimas de trabalho forçado ou obrigatório por seu envolvimento em atividades ilegais que tenham sido compelidas a realizar como consequência direta de estarem sujeitas a trabalho forçado ou obrigatório.

Desta forma, a Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo vem por meio desta manifestar repúdio a qualquer ação que viole os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana e conclama para que se adotem medidas urgentes no âmbito da Secretaria de Segurança Pública para que tais fatos não se repitam.

Cuiabá-MT, 24 de Maio de 2016.

Comissão Estadual de Erradicação do Trabalho Escravo

 

Foto: Olhar Direto

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