Artigo - O sindicato, a terceirização e as pedras

Por Leomar Daroncho*

Sempre é interessante revisitar as dificuldades dos que nos antecederam e as formas de superação encontradas. 

Um caso interessante pode ser encontrado na Serra Gaúcha.

 

 

 

 

Num país tropical aquele ambiente apresenta características pitorescas. Com altitudes moderadas, possui relevo, clima e vegetação diferenciados. Essas marcas, hoje admiradas, representavam grandes obstáculos aos primeiros colonizadores, dedicados à pequena produção agropecuária.

No final do século XIX, o governo imperial brasileiro decidiu colonizar a região. Milhares de imigrantes alemães e italianos, empurrados pela pobreza e atraídos por falsas promessas, cruzaram o oceano e foram direcionados a inóspitas colônias. Irmanados pela origem e pelas dificuldades em "fazer a América" no novo continente, logo entenderam que a união de quem compartilhava o modo de vida e as agruras da região era fundamental.

Retratando essa época e a percepção da importância da ação solidária e coordenada - cooperativismo - para superar as dificuldades, chegou até os nossos dias a frase do Padre Theodor Amstad: "Pois se uma grande pedra se atravessa no caminho e 20 pessoas querem passar, não o conseguirão se um por um a procuram remover individualmente. Mas se as 20 pessoas se unem e fazem força ao mesmo tempo, sob a orientação de um deles, conseguirão solidariamente afastar a pedra e abrir o caminho para todos". A verdade, de 1900, está cunhada em placas de monumentos de cidades da região.

Essa mesma noção, que remete à solidariedade, ao associativismo, à cooperação, à comunhão de estratégias e à capacidade de mobilização coletiva está presente ainda hoje, ao menos idealmente, na vida dos trabalhadores que exercem a mesma profissão, possuem profissões similares ou conexas ou prestam serviços para empregadores de uma mesma categoria econômica.

Formam, nessas situações, categorias profissionais representadas pelos respectivos sindicatos. A cada uma dessas organizações coletivas contrapõe-se o empregador, reconhecido como ente coletivo por ser provido de poder econômico avantajado.A terceirização, uma das medidas em estudo, a pretexto de modernizar as relações de trabalho, afeta e desequilibra a relação.

Ao permitir que o empregador terceirize indiscriminadamente, autoriza-se a fragmentação dos laços que tenderiam a unir os trabalhadores que estão em situação semelhante. A perda da noção de pertencer à coletividade com interesses comuns é potencializada em relações frágeis e descartáveis. Há dificuldade, inclusive, em identificar o real beneficiário do trabalho dos operários que laboram no mesmo espaço. Por vezes, o vínculo se dá com empregadores ou intermediários distintos.

Por óbvio, essa desagregação enfraquece a capacidade de mobilização e prejudica o amadurecimento da articulação que está na raiz de uma saudável estrutura sindical. Nesse sentido, a terceirização atende à lógica da precarização das relações de trabalho e da fragilização das estruturas associativas que poderiam criar embaraços ao processo.

Necessário pontuar, sempre que se discute esse tema, que a precarização não gera empregos. Ninguém contrata mais porque está mais barato. A terceirização apenas gera postos de trabalho mais precários.

Portanto, temos a obrigação de desconfiar dos propósitos de quem indica esse como o caminho das pedras para a tão propalada retomada do crescimento. De outro lado, a terceirização desenfreada é, certamente, mais uma pedra - enorme - no caminho de quem pretende ver realizado o ideal constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária. A erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais indicam outro caminho: a valorização do trabalho e do trabalhador.

*LEOMAR DARONCHO é procurador do Trabalho

Imprimir