Artigo | Morreu na contramão

Por Bruno Choairy*

E tropeçou no céu como se fosse um bêbado

E flutuou no ar como se fosse um pássaro

E se acabou no chão feito um pacote flácido

Agonizou no meio do passeio público

Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

(Construção, Chico Buarque)

Infelizmente, no Brasil ainda seguem atuais os versos de Chico Buarque, a denunciar as condições precárias de trabalho, precisamente no setor da construção civil.

Não só esse setor, mas muitos outros têm revelado altos índices de acidentes de trabalho, com a consequente violação a direitos dos trabalhadores, como a integridade física e psíquica, a saúde, e até a vida.

Esse quadro parece não se alterar mesmo diante de densos comandos normativos dirigidos ao empregador, com o propósito de promover um meio ambiente de trabalho seguro. Esses deveres decorrem da própria Constituição, de diversos documentos internacionais, da legislação e das Normas Regulamentadoras.

Conforme dados obtidos no Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (https://observatoriosst.mpt.mp.br/), apenas no Estado do Mato Grosso, entre 2012 a 2017, foram efetuadas 60.418 Comunicações por Acidente. No mesmo período, foram registrados 33.442 auxílios-doença por acidente do trabalho (B91), sendo que o impacto previdenciário dos afastamentos foi de R$ 275.317.031,32, com a perda de 5.907.073 dias de trabalho.

Os números revelam uma tragédia do ponto de vista humano, jurídico, econômico e orçamentário. Por falar em orçamento, é no mínimo curioso que a discussão em torno do suposto rombo da Previdência Social não mencione os expressivos recursos tragados por conta da concessão de benefícios decorrentes de acidentes de trabalho. Recursos que não teriam sido gastos, caso medidas tivessem sido tomadas em prol da segurança no trabalho.

O pressuposto básico para se garantir meio ambiente de trabalho seguro é o reconhecimento de que o trabalho importa riscos. Tais riscos, além de reconhecidos, devem ser monitorados e controlados, com a adoção das medidas técnicas pertinentes. Com o estudo de um empreendimento específico e o reconhecimento dos riscos nele existentes para os trabalhadores, parte-se para o estabelecimento das providências necessárias com o fim de neutralizá-los.

Essa ideia é concretizada na Norma Regulamentadora nº 09, que trata do PPRA, programa obrigatório para todas as empresas. Tal programa, porém, transformou-se em muitos casos em papel a ser depositado na gaveta, ficando frustrados os propósitos normativos de reconhecimento e combate, por providências técnicas, dos riscos ocupacionais existentes na empresa.

Nesse 28 de abril, dia consagrado pela Organização Internacional do Trabalho como o Dia Mundial em Memórias às Vítimas de Trabalho e de Doenças Ocupacionais, o momento é de tentar mudar essa realidade. Isso de modo que haja uma cultura de debate e proteção do meio ambiente de trabalho.

Só assim, pela conscientização e, mais do que isso, pela criação de uma verdadeira cultura de debate e promoção do meio ambiente de trabalho, é que se poderá superar o grave quadro de acidentes de trabalho no Brasil.

*BRUNO CHOAIRY é procurador do Trabalho do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso

Artigo origimalmente publicado no Jornal A Gazeta

Imprimir