MPT participa de seminário sobre tráfico de pessoas e expõe preocupação com venezuelanos recém-chegados a MT

04/05/2018 - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) marcou presença no '2º Seminário Tráfico de Pessoas para Fins de Exploração Sexual: Possibilidades de Enfrentamento pelas Políticas Públicas'. O evento, realizado pelo Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de Mato Grosso (Cetrap) com o apoio do MPT, ocorreu nos dias 26 e 27 de abril no Hotel Fazenda Mato Grosso, em Cuiabá, e reuniu mais de 150 pessoas.

De acordo com a coordenadora do Cetrap, Dulce Regina Amorim, o objetivo do seminário foi discutir e aprofundar a temática, que se constitui em uma das formas mais graves de violação de direitos humanos. “A gente ouve dizer que em Mato Grosso não existe tráfico de pessoas. Eu quero afirmar para vocês que o que não existe é notificação e denúncia. Precisamos parar de falar bonito, precisamos fazer bonito. Precisamos garantir os direitos das pessoas que estão em vulnerabilidade, pois essas violações acontecem todos os dias”.

A assistente social também falou que uma de suas principais metas é a criação do Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. “Nós estamos aqui há oito anos. Em 2010 a gente fez aqui, nesse mesmo espaço, o primeiro evento do Comitê, então algumas pessoas estão conosco desde essa data lutando, enfrentando e prevenindo o tráfico de pessoas no Estado de Mato Grosso. Quero dizer que naquele momento, quando nos reunimos, nós tínhamos uma meta, que era nem tanto trabalhar com esse Comitê, mas sim montar o Núcleo Estadual de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que será um órgão operacional, que vai fazer o atendimento às vítimas e vai estar no estado todo, junto com esse colegiado do Cetrap, prevenindo, enfrentando...Essa continua sendo a nossa meta, que até esse momento permanece no papel”.

A procuradora do Trabalho Jéssica Marcela Schneider, vice-coordenadora regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação e Combate ao Trabalho Escravo (Conaete), participou da mesa de abertura e, em sua fala, reforçou que o espaço de discussão é fundamental para a troca de experiências e saberes e para a construção de políticas públicas de prevenção ao tráfico de pessoas. 

“Hoje o nosso país vive uma situação complicada de crise econômica e o Estado de Mato Grosso ainda vive outras situações especiais, como a chegada de um grupo de venezuelanos há três semanas e a inauguração do voo de Santa Cruz de La Sierra, que é algo que vem sendo discutido no Cetrap. Então além de ser fronteira, Mato Grosso vai ter mais uma situação para lidar e todas essas situações trazem em si, intrinsecamente, a questão da vulnerabilidade social, tendo em vista que os imigrantes que chegam ao estado por meio do processo de interiorização saíram de seu país fugindo da pobreza e, portanto, vêm em busca de trabalho, mostrando-se urgente a formação de uma rede de acolhimento para que não se tornem vítimas de exploração. Já o novo voo Santa Cruz de la Sierra-Cuiabá, quando inaugurado, colocará Mato Grosso em estado de alerta para possíveis rotas de tráfico de pessoas – principalmente, mulheres – para fins de exploração sexual, a exigir das autoridades aeroportuárias a capacitação necessária para identificação e encaminhamento de casos suspeitos".  

Convidada a comentar sobre a atuação do MPT no combate ao trabalho escravo, a procuradora pontuou que o contexto social, não só a pobreza, deve ser levado em conta quando se discute a vulnerabilidade, que é, segundo ela, a principal porta de entrada para o tráfico de pessoas. “Daí a importância das políticas públicas, de identificar quais são os locais mais vulneráveis, de entender o porquê de esses trabalhadores estarem sendo cooptados e o que pode ser feito pelo poder público para evitar essas situações. A gente trabalha muito forte na repressão, mas o trabalho mais forte deve ser feito na prevenção”, frisou.

A procuradora também mencionou dados do Observatório Digital do Trabalho Escravo no Brasil (https://observatorioescravo.mpt.mp.br), lançado no ano passado pelo MPT e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e que reúne de maneira integrada o conteúdo de diversos bancos de dados e relatórios governamentais sobre o assunto.   

Segundo o Observatório, em Mato Grosso, de 2003 a 2017, foram resgatadas 4.356 pessoas do trabalho escravo. Desses, apenas 859 são naturais do estado. “E o que isso quer dizer? Que se a gente tem um universo de mais de 4 mil trabalhadores resgatados e menos de mil são naturais do estado, os trabalhadores estão sendo trazidos de outras localidades. Acontece sim de trabalhadores virem espontaneamente, fixarem residência aqui e serem cooptados pelo “gato” [aliciador] na própria localidade, mas não é o mais comum. O mais usual é que eles venham de outros estados. E em que condições esses trabalhadores estão sendo trazidos?”, questionou.

O Estado do Maranhão é apontado como sendo o maior “fornecedor” de mão de obra escrava, ou seja, tem o maior número de naturais cooptados pelo trabalho escravo. “Então é lá que deveria começar o trabalho de prevenção”, asseverou. A procuradora explicou, ainda, como são feitos os resgates e como são formados os Grupos Móveis.

“Os resgates acontecem no âmbito de um trabalho coordenado entre as instituições: MPT, Ministério do Trabalho (MTb), Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, muitas vezes a Defensoria Pública da União, os quais formam o chamado Grupo Móvel. O GM faz um estudo, que fica a cargo da coordenação do MTb, e um mapeamento. Quando se tem notícia de trabalho escravo em determinada área o Grupo Móvel vai até o local e tenta resgatar os trabalhadores. E é literalmente um resgate, é a retirada daqueles trabalhadores daquela situação e depois há uma tentativa de acordo com o empregador para que ele pague as verbas trabalhistas devidas”.

Venezuelanos e a vulnerabilidade

A procuradora do Trabalho também lembrou que o Estado de Mato Grosso precisa se preparar para receber os imigrantes que vêm para cá em busca de oportunidades e condições mais dignas de trabalho. Citou como exemplo a chegada de cerca de 60 venezuelanos a Cuiabá recentemente.

“Mato Grosso está vivendo uma situação um pouco peculiar. Há três semanas desembarcaram aqui em Cuiabá os imigrantes venezuelanos vindos de Boa Vista. Esses imigrantes venezuelanos, muito embora já venham com o pedido de refúgio e já tenham recebido carteira de trabalho e CPF, embora já estejam aptos para o trabalho formal, eles vêm de uma situação extremamente complicada. Eles já saíram do seu país, por situações que todo mundo vem acompanhando. Já saíram de uma situação de miséria, de necessidade, e foram para Roraima, que era o estado mais próximo, em busca de uma vida nova. E chegando lá, houve um saturamento do mercado de Boa Vista”. 

Ela relata que as pessoas acabavam dormindo nas ruas, sem qualquer tipo de amparo. “Os abrigos públicos já não serviam mais, as escolas públicas já não estavam comportando as pessoas, o sistema de saúde e de segurança também, enfim, nada mais estava comportando essas pessoas lá, então por isso houve um acordo de interiorização, e esses trabalhadores foram trazidos para Cuiabá”.

Por fim, Jéssica Schneider alertou para o fato de os imigrantes, pelas condições em que se encontram, serem vítimas em potencial de inúmeras situações de trabalho precário, entre elas o tráfico de pessoas. “Aqui é região de fronteira e região de grandes obras, então existe um risco muito grande de que esses trabalhadores venham a ser cooptados para trabalhos que, se soubessem as reais condições, provavelmente não aceitariam, então hoje é uma preocupação e é importante lançar esse olhar a esses trabalhadores também”, concluiu.

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Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)

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