MPT-MT e Fórum Mato-grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos promovem audiência coletiva

16/12/2022 – O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) e o Fórum Mato-grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos promoveram, na sexta-feira (02), audiência coletiva para discutir os danos sociais e ambientais dos agrotóxicos, com objetivo de propiciar espaço para compartilhamento de experiências a respeito de normas de regulamentação relativas à utilização desses produtos. Constaram das pautas encaminhamentos a respeito do incêndio que ocorreu em estabelecimento de empresa de insumos agrícolas, em Sorriso (a 420 km da capital), em outubro deste ano; e apresentação de resultados de dois projetos executados pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio dos pesquisadores do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador (Neast), quais sejam: “Câncer e seus fatores associados” e “Territórios saudáveis e sustentáveis de Mato Grosso”.

Participaram, presencial e telepresencialmente, Silvio José Teixeira, representando a Superintendência Regional do Trabalho em Mato Grosso (SRT-MT); Suzi Monte da Cruz, representando a Secretaria de Estado de Saúde de Mato Grosso (SES-MT); os(as) pesquisadores(as) da UFMT Márcia Montanari, Maellison Silva Neve, Noemi Dreyer Galvão e Jackson Rogério Barbosa; Gabrieli Comachio, do Conselho Regional de Nutrição (CRN); membros da imprensa local e comunidade.

Incêndio

No fim da tarde de 08 de outubro deste ano, a empresa Luft Logística Agribusiness, em Sorriso, registrou incêndio de grandes proporções, o que motivou a Defesa Civil local a emitir alerta para que os moradores se recolhessem e evitassem contato com a poluição possivelmente tóxica. Não houve vítimas fatais e as chamas foram controladas na madrugada do dia seguinte (09).

Em face do ocorrido, o MPT-MT instaurou notícia de fato (NF) para apurar eventuais danos à saúde dos(as) trabalhadores(as) da companhia (convertida, em seguida, em inquérito civil). Foram expedidos ofícios à Secretaria de Saúde de Sorriso, a fim de obter informações acerca das medidas de vigilância adotadas a partir do incidente, em especial em relação ao controle da situação de risco; e ao município, solicitando cópia do plano de zoneamento urbano, de modo a verificar a possibilidade de armazenamento de agrotóxicos nas intermediações da zona urbana. O Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea) também foi impelido a prestar informações acerca do armazenamento de agrotóxicos por parte de empresas de transporte/logística relativas aos últimos dois anos.

“Temos uma latente preocupação: onde está sendo permitido o armazenamento de agrotóxicos? Há planejamento para que a população não tenha contato direto com atividades potencialmente nocivas dessa natureza? Como pensar o zoneamento urbano para que o impacto do manejo de insumos agrícolas na saúde da população seja o menor possível?”, questiona o procurador do Trabalho Bruno Choairy, coordenador do Fórum. “Ao observarmos o mapa enviado pela prefeitura de Sorriso, notamos que o centro urbano parece estar distante das faixas de armazenamento desses produtos; mas, na prática, pode ser que haja concentração de residências – regulares ou não – no entorno”, completa.

O Indea esclareceu que Sorriso dispõe atualmente de onze empresas registradas para armazenamento de agrotóxicos, sendo fiscalizadas ao menos uma vez no ano quando da renovação do registro, ocasião em que é feito checklist quanto à estrutura física, sinalização e aos equipamentos de segurança.

No mês anterior ao sinistro, o órgão afirma que a Luft foi fiscalizada em duas oportunidades, sendo constatado armazenamento irregular de agrotóxicos em ambas, resultando na emissão de dois autos de infração: um pelo armazenamento irregular de agrotóxicos; e outro pelo descumprimento da notificação para adequá-lo.

“No caso da empresa, o que foi constatado nas fiscalizações foi o armazenamento acima da capacidade estrutural, demandando a utilização (sem autorização do Indea) do pátio da empresa e do armazém, que deveriam ser utilizados exclusivamente para sementes”, esclarece o instituto.

Projeto Câncer e seus fatores associados

A pesquisadora da UFMT Noemi Dreyer Galvão, em seguida, expôs resultados do projeto “Câncer e seus fatores associados: análise de registro base populacional e hospitalar de Mato Grosso”. “Esta foi uma iniciativa que teve início como projeto de extensão em cooperação com a SES-MT visando a realizar buscas ativas de base populacional de câncer em Cuiabá e no interior”, esclarece. “Após, em parceria com o Neast, foi ampliado; e, desde 2019, é financiado pelo MPT-MT, via termo de cooperação técnica.”

O projeto busca estudar a magnitude do câncer e seus fatores associados nos pacientes atendidos nos hospitais habilitados no estado com serviços oncológicos, bem como a incidência, sobrevida e óbitos segundos os dados secundários dos registros de câncer de base populacional, hospitalar e mortalidade no período de 2000 a 2018.

“Caracterizamos os hospitais com serviços oncológicos de Mato Grosso segundo as variáveis sociodemográfica do paciente, histórico social, familiar, patológico pregressa, avaliação nutricional, situação de saúde, exames realizados, tratamento oncológicos, variáveis relacionado ao meio ambiente e complicação após o início do tratamento”, relata Galvão. Constam dos objetivos, ainda, analisar a magnitude e a tendência das taxas de mortalidade dos cânceres; avaliar a correlação entre exposição aos agrotóxicos e casos de câncer em Mato Grosso, relacionando os casos com o histórico ocupacional e exposição ambiental a agrotóxicos; e analisar fatores associados ao câncer infanto-juvenil no estado.

O grupo de trabalho colhe bons frutos: constam publicados 22 artigos científicos; cinco trabalhos de conclusão de curso (TCC); três dissertações de mestrado; duas teses de doutorado; três capítulos de livros; trinta resumos de eventos científicos regionais, nacionais e internacionais; e, até julho de 2023, estão previstos evento científico com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), órgão auxiliar do Ministério da Saúde (MS) no desenvolvimento e coordenação das ações integradas para a prevenção e o controle do câncer no Brasil; publicação de e-book; e realização do III Seminário de Epidemologia sobre Câncer.

Projeto Territórios Saudáveis e Sustentáveis de Mato Grosso

Deu-se início, em seguida, à apresentação do projeto Territórios Saudáveis e Sustentáveis de Mato Grosso, desenvolido pelo Neast e pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da UFMT, cuja equipe é coordenada pela prof. dra. Marcia L. Montanari Corrêa e compreende cinco grupos de trabalho (GT), quais sejam: GT Saúde (prof. dr. Maelison Silva Neves); GT Territorialidades (prof. Haya Del Bel); GT Promoção da Agroecologia (prof. msc. Henderson Nobre); GT Indicadores Socioeconômicos (prof. dr. Alexandro Ribeiro Rodrigues); e GT Direito (prof. msc. Silvano Macedo). Há, ainda, a participação de docentes de diversas instituições de ensino superior brasileiras e estrangeiras, além de estudantes de graduação, mestrado e doutorado.

A iniciativa levantou dados e informações necessárias para a análise da situação de saúde no enfoque de promoção de territórios saudáveis e sustentáveis nas cadeias produtivas em Mato Grosso. O período de 2020 a 2022 foi eleito como recorte de tempo, e as regiões selecionadas foram: a baixada cuiabana (Poconé, Barão de Melgaço e Chapada dos Guimarães); o médio-norte (Lucas do Rio Verde, Sorriso e Sinop); a região leste (Querência, Água Boa e Canarana); sul (Rondonópolis, Primavera do Leste e Campo Verde) e noroeste (Campos de Júlio, Sapezal e Campo Novo do Parecis).

“Mato Grosso lidera o consumo de agrotóxicos no Brasil. Em 2020, tivemos o consumo de 252 milhões de litros de agrotóxicos no estado; em 2017, esse número era de 220 milhões”, relata Corrêa. “Houve aumento significativo em especial em relação à região leste, o que dissipa a ideia de que as tecnologias transgênicas têm diminuído o uso desses produtos. Percebemos o contrário disso”, afirma.

Malformação congênita. No período de 2016 a 2020, foram notificados 1.776 nascimentos com malformação congênita. Desse número, 27,5% foram malformações do sistema osteomuscular; 66,7% dos nascituros eram da raça/cor parda; 47,5% das mães tinham entre 20 e 29 anos; e 71,5% das gestações duraram de 37 a 41 semanas.

Aborto. Em relação ao aborto, foram registrados 18.334 casos, com especial concentração nas regiões com uso mais intenso de agrotóxicos. 69% das gestantes eram da raça/cor parda, e 45,5% estavam na faixa etária de 20 e 29 anos.

“É importante observar que o uso de volume exacerbado de agrotóxicos não se restringe às grandes lavouras de commodities, estendendo-se às pastagens. Regiões de pecuária também apresentam alta concentração de aborto e malformação fetal e congênita”, conta Corrêa. “A própria produção de pecuária lança mão do fungicida tebuconazol, que tem associação com potencial mutagênico.”

Intoxicação exógena. No período de 2016 a 2020, foram registrados 906 casos de intoxicação exógena por agrotóxicos agrícolas, raticidas, agrotóxicos de saúde pública e produtos de uso veterinário. 61,3% dos casos envolveram pessoas do sexo masculino; 58,2% da raça/cor parda; 43,5% na faixa etária de 20 a 39 anos; 42,8% do agente tóxico: agrotóxicos de uso agricola; 15,1% dos intoxicados apresentavam ensino médio completo; destes, 63,8% não foram contaminados por exposições do trabalho; 40,6% por circunstâncias acidental.

“A circunstância acidental pode estar diretamente relacionada ao manejo do agrotóxico no ambiente de trabalho. No entanto, às vezes não se trata de ambiente de trabalho formal, não sendo a intoxicação registrada como acidente de trabalho, mas sim circunstância acidental ou ambiental; daí a importância de fomentarmos o registro da intoxicação como acidente de trabalho”, afirma Corrêa.

Pacientes com câncer. O projeto coletou, ainda, ​dados de estilo de vida e de história pregressa de saúde dos pacientes com câncer atendidos no Hospital de Câncer de Mato Grosso entre 2019 e 2020. “Inferimos que a maioria desses pacientes já moraram em locais em que havia plantações agrícolas. É preciso que compreendamos a perspectiva da exposição ambiental e passional a esses produtos”, relata Corrêa.

Ações Realizadas. Dentre as inúmeras acções realizadas pelo projeto, destacam-se: elaboração de relatórios das cinco regiões para preparação de livro; construção de viveiros de mudas agroflorestais e apoio no Centro de Formação Olga Benário, em Várzea Grande; elaboração de banco de normas, banco de jurisprudências e modelos de peças jurídicas por acadêmicos de Direito, para serem utilizados no apoio e orientações às comunidades atingidas por agrotóxicos em Mato Grosso; finalização da coleta dos dados de câncer, aborto, malformação fetal, doenças renais e intoxicações agudas por agrotóxicos nos 141 municípios mato-grossenses; ações em comunidades rurais do MST, quilombolas e indígenas; elaboração de artigos e capítulos de livros; e parcerias internacionais em processo de formalização com a universidades estrangeiras.

Providências

Ao fim da audiência, foram definidos os seguintes encaminhamentos: expedição de ofício ao Indea requerendo que, em caso de graves ou reiteradas irregularidades relativas ao armazenamento de agrotóxicos, os relatórios sejam encaminhados ao MPT e ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso MPE-MT), para providências cabíveis no âmbito de atuação de cada órgão; reiteração do ofício expedido à Secretaria de Saúde de Sorriso e à SES-MT, que solicita, dentre outras informações, análise dos elementos potencialmente impactados (solo, ar, água); e criação de grupo de trabalho para interpretar o material de pesquisa epidemiológica, a fim de instrumentalizar as intervenções.

Assessoria de Comunicação ∣ MPT-MT 30 ANOS
Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso
65 3613.9100 ∣ www.prt23.mpt.mp.br
Instagram @mptmatogrosso ∣ Twitter: @MPT_MT
Facebook: MPTemMatoGrosso

Imprimir