Artigo: Direito do Trabalho sob ataque

Por Renan Bernardi Kalil*

05/10/2015 - Na última quinta-feira, 1º de outubro, foi aprovado na Comissão Mista do Senado Federal e da Câmara dos Deputados o projeto de lei de conversão da Medida Provisória (MP) n. 680. A mencionada MP trata do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), criado pelo Governo Federal com o objetivo de tentar amenizar os efeitos da crise econômica sobre os empregos, com duração até o fim de 2017.

Durante a tramitação do projeto de lei, relatado pelo Deputado Federal Daniel Vilela (PMDB-GO), foi inserido dispositivo que prevê a alteração do art. 611 da CLT de forma permanente e a prevalência do negociado sobre o legislado. Segundo a proposta aprovada, as condições de trabalho ajustadas mediante acordo ou convenção coletiva irão se sobrepor ao previsto em lei, desde que não contrariem direitos previstos na Constituição Federal, nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ratificadas pelo Brasil e as normas de segurança e saúde do trabalho.

A aprovação desse projeto de lei representará um enorme retrocesso para os direitos dos trabalhadores do país. A alteração de somente um dispositivo da CLT permitirá que diversas garantias, previstas em legislação ordinária, deixem de ser observadas pelos empregadores. A nova redação do art. 611 da CLT autoriza que, mediante acordo ou convenção coletiva, direitos contidos na própria CLT ou em leis específicas não sejam aplicados às relações de trabalho. As normas trabalhistas perdem o seu caráter cogente, ou seja, de natureza obrigatória, uma vez que a sua incidência poderá ser excepcionada por meio de negociação coletiva.

Outro aspecto que deve ser pontuado é a permissão dada às entidades sindicais para reduzir os direitos dos trabalhadores. Existem diversos sindicatos combativos e que defendem os interesses de seus representados de forma efetiva em todo o Brasil. Contudo, não se pode omitir que também há um grande número de entidades criadas somente para receber a contribuição sindical e fragmentar a unidade dos trabalhadores, fatos que decorrem da previsão da unicidade sindical na Constituição Federal e do monopólio de representação e do financiamento compulsório.A possibilidade de sindicatos fracos celebrarem acordos que excetuam a aplicação de leis trabalhistas aos seus representados irá beneficiar somente os empregadores.

A negociação coletiva é um importante instrumento para os trabalhadores obterem melhores condições de trabalho. Os direitos previstos na legislação devem ser o ponto de partida para as tratativas realizadas entre os trabalhadores e os patrões e não objeto de negociação para que não sejam aplicados a determinado grupo de empregados.

Finalmente, é relevante destacar que o Congresso Nacional pretende operar uma alteração profunda na legislação trabalhista sem qualquer debate com a sociedade brasileira. A mudança do art. 611 da CLT não constava na redação original da MP e foi inserido no projeto de lei sem que os atores do mundo do trabalho fossem ouvidos. A forma pela qual foi conduzido o processo até o presente momento é uma afronta à democracia.

O direito do trabalho está sob ataque. Depois do avanço do projeto de lei que prevê a terceirização ampla, geral e irrestrita e das tentativas de reduzir o conceito de trabalho escravo, coloca-se em xeque a espinha dorsal dos direitos trabalhistas no país. A aprovação do negociado sobre o legislado, na atual conjuntura, irá possibilitar que a CLT seja rasgada, prejudicando toda a classe trabalhadora do Brasil.

*RENAN BERNARDI KALIL é Procurador do Trabalho em Mato Grosso (MPT/MT) e Mestre em Direito do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP).

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 05/10/2015

Charge: Lorenzo Henriques/Charges Ululantes

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