MPT Entrevista: procurador fala sobre regulamentação do trabalho doméstico

05/06/2015 - Dois anos após a aprovação da PEC das Domésticas (Emenda Constitucional nº 72), foi sancionada na última segunda-feira, pela presidente Dilma Rousseff, a lei complementar que regulamenta o trabalho doméstico. A partir de agora, os direitos da categoria são equiparados aos dos demais trabalhadores e as empregadas e os empregados domésticos passam usufruir também de garantias como o pagamento de horas extras e de adicional noturno, seguro desemprego, salário família e acesso ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Até então, o depósito do FGTS era uma opção do empregador. Agora, será obrigado a recolher o benefício.

A dúvida é: qual a melhor forma de garantir que esses direitos sejam respeitados? E mais: por que a regulamentação dos direitos dos empregados domésticos demorou tanto a acontecer no Brasil? Quem responde a esse e outros questionamentos é o procurador do Trabalho Renan Kalil.

1) O que caracteriza o trabalho doméstico?
Renan Bernardi Kalil - A Lei Complementar n. 150 define que o empregado doméstico é aquele que presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa, pessoal e de finalidade não lucrativa à pessoa ou família, no âmbito residencial destas.

Quando a lei diz de forma contínua, quer dizer que deve existir uma periodicidade no trabalho. Quando diz que há subordinação, significa que o empregador determina o serviço que o empregado vai fazer.
Por forma onerosa entende-se que o trabalho feito é remunerado ou que o empregado espera ser pago pelo serviço feito. E a forma pessoal quer dizer que o empregado é contratado para ele próprio desempenhar os trabalhos e não pode mandar outra pessoa em seu lugar.

Um elemento novo que a lei traz é que o empregado que trabalhar mais de dois dias durante a semana para uma família ou uma pessoa tem o vínculo empregatício caracterizado.

2) Antes da aprovação da PEC e da lei complementar, quais eram os direitos garantidos à categoria?
Renan Bernardi Kalil - Antes da aprovação da Emenda Constitucional em 2013, eram reconhecidos aos trabalhadores domésticos os seguintes direitos: salário mínimo, irredutibilidade salarial, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias de 30 dias com acréscimo de um terço, licença à gestante, licença paternidade, aviso prévio, aposentadoria e o seguro desemprego.

3) E quais são os direitos hoje assegurados a esses trabalhadores?
Renan Bernardi Kalil - Com a Emenda Constitucional n. 72/2013, passaram a ser reconhecidos os seguintes direitos às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos: a garantia de salário mínimo para quem recebe remuneração variável, a proteção ao salário, a jornada de oito horas diárias e 44 semanais, o pagamento das horas extras acrescido de pelo menos 50% das normais, e a redução de riscos inerentes ao trabalho.

Houve, ainda, o reconhecimento dos instrumentos coletivos de trabalho, a proibição de diferenças de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil, de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de contratação de trabalhador com deficiência.

Também foram previstos a relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, FGTS, remuneração do trabalho noturno superior ao diurno, salário família, assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até os cinco anos de idade em creches e pré-escolas, e o seguro contra acidentes de trabalho.

4) Como e onde os trabalhadores que sofreram ou sofrem algum tipo de restrição de direitos poderão denunciar os abusos sofridos? Como será a atuação do MPT?
Renan Bernardi Kalil - As trabalhadoras e os trabalhadores que sofram violações de direitos poderão fazer denúncias ao Sindicato que os representa, ao Ministério do Trabalho e Emprego e ao Ministério Público do Trabalho, bem como ajuizar reclamações trabalhistas na Justiça do Trabalho.

A atuação do MPT ocorrerá nos casos em que se verifiquem violações com repercussão social e que lesem os direitos da coletividade dos trabalhadores.

5) Como será feita a fiscalização no ambiente doméstico?
Renan Bernardi Kalil - A Lei Complementar n. 150 prevê a possibilidade de realização de fiscalização nas residências. O auditor-fiscal deverá agendar com o empregador um horário para a ação fiscal, sendo que ele ou alguém da sua família poderá acompanhar a fiscalização. A atuação do fiscal terá caráter prioritariamente orientador, sendo que o empregador poderá ser multado quando não registrar o contrato na Carteira ou em casos de reincidência de violação, fraude, resistência ou embaraço à ação fiscal.

6) Faça uma análise do fato da regulamentação do trabalho doméstico ter demorado tanto a acontecer no Brasil?
Renan Bernardi Kalil - A regulamentação do trabalho doméstico demorou um longo tempo a se desenvolver pelo fato de haver uma compreensão socialmente disseminada que esta forma de trabalho era inferior às demais espécies de trabalho existentes.

O fato de ser uma atividade ligada essencialmente à reprodução social do lar, ou seja, garantir a alimentação, limpeza e higiene de membros de uma determinada família, fez com que fosse construída uma noção de que o trabalho doméstico era menos digno que os demais.

Ainda, a aproximação entre o trabalho doméstico e a forma pela qual esses trabalhadores foram historicamente tratados com as relações que existiam entre o senhor e os seus escravos no período do Império, guardadas as devidas proporções, contribuiu para a diminuição do valor social e econômico dado a esse trabalho.

A primeira lei que tratou do tema é de 1972 e previu poucos direitos a esses trabalhadores. Com a Constituição de 1988, houve um tímido avanço. Para se ter ideia da discrepância que existia, dos 34 direitos reconhecidos aos trabalhadores urbanos e rurais, apenas 9 eram previstos às trabalhadoras e aos trabalhadores domésticos. Os avanços previstos na EC 72 e na Lei Complementar n. 150 são importantes e os atores sociais do mundo do trabalho devem atuar para buscar a sua plena efetivação.

Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)

Contato: (65) 3613-9152 | www.prt23.mpt.mp.br | twitter: @MPT_MT | facebook: Ministério-Público-do-Trabalho-em-Mato-Grosso 

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