“O trabalho infantil, infelizmente, é tolerado no Brasil”, critica procurador-chefe do MPT-MT
12/06/2019 - Na manhã de ontem, o procurador-chefe do MPT em Mato Grosso, Rafael Mondego Figueiredo, participou do seminário “Trabalho Infantil: Fortalecimento da Rede de Proteção em Mato Grosso”, promovido pelo Fórum Estadual de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (Fepeti/MT) no auditório do TRT Mato Grosso, para marcar as ações do dia 12 de junho, Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil.
O superintendente de Administração Socioeducativa da Secretaria de Estado de Segurança Pública (SESP-MT), Iberê Ferreira da Silva Júnior, o juiz da 2ª Vara Especializada da Infância e Juventude de Cuiabá, Jorge Alexandre Martins Ferreira, a chefe do Núcleo de Fiscalização da SRTb-MT e coordenadora do Projeto de Inserção de Aprendizes no Mercado de Trabalho, Luíza Carvalho Fachin, e o auditor-fiscal do Trabalho da SRTb-MT, Amarildo Borges, também marcaram presença.
Representando a Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (Coordinfância) do MPT-MT, Mondego falou sobre a atuação do MPT e sobre os projetos desenvolvidos pela instituição, entre eles o Resgate à Infância, para sensibilização e conscientização da sociedade.
Hoje, quase 2,5 milhões de crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos estão trabalhando no Brasil, segundo o IBGE. Eles trabalham na agricultura, pecuária, em comércio, domicílios, nas ruas, em construção civil, entre outros setores. Entre 2003 e 2018, 938 crianças foram resgatadas de condições análogas à escravidão, conforme informações disponíveis no Observatório Digital do Trabalho Escravo.
Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde mostram que o Brasil registrou nos últimos 11 anos (2007 a 2018) quase 44 mil acidentes de trabalho com crianças e adolescentes entre cinco e 17 anos. Nesse mesmo período, 261 meninas e meninos perderam a vida trabalhando.
“É um problema muito sério. As regiões Nordeste e Sudeste registram as maiores taxas. No âmbito da região Centro-Oeste, Mato Grosso está em segundo lugar. A Superintendência Regional do Trabalho em Mato Grosso (SRTb/MT) divulgou que foram realizados, de 2016 até abril de 2019, 47 afastamentos de crianças trabalhando de forma irregular. (...) Será que isso corresponde à realidade?”, questionou. “Acredito que não. Eu trabalhei no Pará e no Amapá. No Pará existe uma cultura de denúncia, nós recebíamos do Disque 100 centenas de denúncias sobre trabalho infantil, era algo muito constante. Aqui você não recebe muitas dessas informações. Podemos dizer que são poucas situações ainda”, complementou.
Ele observou que, além das subnotificações, as barreiras culturais são ainda o principal desafio da rede de proteção. “O que acontece é que, infelizmente, o trabalho infantil ainda é tolerado no Brasil e mais ainda no nosso estado. Como percebi isso? Muitas pessoas me falam ‘Ah, criança tem que trabalhar porque senão vai virar bandido’. Só que, vejam, foi feita uma pesquisa um tempo atrás por um desembargador federal chamado Ricardo Tadeu. Ele, que inclusive é do Paraná, identificou que há uma ligação muito clara entre marginalidade e trabalho infantil. Ele fez um trabalho no Carandiru e verificou que 80% das pessoas que estavam cumprindo pena foram sujeitadas ao trabalho precoce, ou seja, a falta de oportunidade é um grande problema. É um ciclo vicioso”, pontuou.
Segundo o procurador, ações repressivas não são suficientes para combater o trabalho infantil. Para ele, é preciso utilizar a capacidade institucional do MPT e desenvolver novas intervenções que dialoguem com a educação, com as políticas públicas e que incentivem a contratação de aprendizes.
“Se o adolescente não conseguir uma oportunidade formal no mercado de trabalho, ele vai partir para a informalidade. Então como vamos combater? Com a regularização do trabalho do adolescente, a partir dos 14 anos como aprendiz, e afastando as pessoas que tenham idade inferior a essa”.
Na condição de aprendizes, em 2018, o Brasil contratou mais de 444 mil adolescentes, 15% a mais em relação ao ano de 2017, de acordo com as secretarias do Ministério da Economia. No entanto, mais de 510 mil potenciais vagas ainda podem ser disponibilizadas por empresas para fomentar a aprendizagem.
“O trabalho infantil traz malefícios físicos, psicológicos. Sob o aspecto físico, sabemos que é uma pessoa em desenvolvimento. Vamos pegar uma criança de 9 anos como exemplo. Segundo dados oficiais, crianças de 9 anos de idade são colocadas na agricultura. Eu fico imaginando se fosse o meu filho trabalhando com enxada...Me arrepio só de pensar porque nós queremos o melhor para os nossos filhos, fazemos tudo o que podemos para isso. Agora imagina uma criança de 9 anos colocada para trabalhar de sol a sol? Isso é uma situação considerada pela OIT, inclusive, como uma das piores formas de trabalho infantil. É uma criança que vai ter problema na coluna, psicológico, vai ter sofrido muito, vai ter sido privado de brincar, estudar”, salientou.
Dados
A SRTb/MT, ligada ao Ministério da Economia, realizou cerca de 400 ações fiscais com foco no combate ao trabalho infantil no estado de 2016 até abril de 2019. Os dados foram divulgados pela chefe do Núcleo de Fiscalização da SRTb/MT, Luiza Carvalho Fachin, durante o seminário.
Para o ano de 2019, a Subsecretaria de Inspeção do Trabalho estipulou para Mato Grosso a meta de 110 ações fiscais de combate ao trabalho infantil, sendo 33 com efetivo afastamento. Até o momento, já foram realizados seis afastamentos de adolescente do trabalho irregular em Mato Grosso. Eles tinham entre 14 e 17 anos e foram encontrados em lava-jatos, comércio, mecânicas, entre outros.
“Não basta só afastar, principalmente quando trabalha com o próprio pai. Essas são questões às quais nós queremos dar outro encaminhamento, como inserir esse jovem, que já tem idade suficiente, na aprendizagem”, disse.
Campanha
“O combate ao trabalho infantil é uma das metas prioritárias do MPT e essa atuação se dá de forma ainda mais rígida”, observou o procurador-chefe no seminário realizado ontem. Para reforçar a luta contra o trabalho precoce, o MPT lançou hoje, 12 de junho, em São Paulo, a campanha nacional “Toda Criança é Nossa Criança. Diga Não ao Trabalho Infantil”.
“Você acha difícil imaginar o quanto é ruim para uma criança ficar vendendo coisas na rua? Comece imaginando que é o seu filho”, alertam as peças da campanha, que tem um filme de animação como principal produto de divulgação. A iniciativa integra o posicionamento de comunicação adotado pela instituição desde 2017, com a utilização da hashtag #ChegaDeTrabalhoInfantil.
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Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)
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