Reunião de Fórum Mato-Grossense discute impacto dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores
26/03/2021 - Aconteceu na última terça-feira, 23, de forma remota, a reunião do Fórum Mato-Grossense de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, coordenado pelo Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) e pelo Ministério Público Estadual (MP-MT). O evento foi aberto ao público e contou com a presença de cerca de 40 pessoas.
O procurador do MPT Bruno Choairy Cunha de Lima agradeceu a presença de todos e mandou uma mensagem de solidariedade, pedindo que sejam redobrados os cuidados neste momento de agravamento da pandemia de Covid-19 no país. Utilizando o gancho, o procurador enalteceu a ciência e lamentou manifestações negacionistas tão comuns nos dias de hoje. “Se nem na pandemia, que é uma coisa com efeitos tão concretos na nossa vida, tem sido possível criar consensos, imagine em relação aos agrotóxicos, cujos efeitos são concretamente menos perceptíveis de forma imediata e a curto prazo”.
Em seguida, o procurador discorreu sobre a possibilidade de reparação individual por danos à saúde decorrentes da intoxicação por agrotóxicos, em especial pelo desenvolvimento de doenças crônicas. Choairy ressaltou que as ações deveriam ser focadas em prevenir casos e não em buscar reparar os males causados pela exposição ao veneno. Todavia, a reparação se faz necessária em razão das condições a que são submetidos os trabalhadores — que muitas vezes sequer recebem equipamentos de proteção necessários para manuseio de agrotóxicos em seus ambientes laborais.
"A possibilidade de reparação individual existe diante da relação, cientificamente estabelecida, entre a exposição a determinação substância química e o aparelhamento ou agravamento de doenças que tenham relação com essa exposição. É o caso, por exemplo, da exposição ao paraquat, que tem nexo estabelecido com o surgimento de Mal de Parkinson, e a atrazina e glifosato, com alguns tipos de cânceres."
Representando o Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso (Indea/MT), o engenheiro agrônomo Cléber Tonello Pedro afirmou que o órgão está comprometido com a fiscalização dos agrotóxicos, especialmente no período de setembro a março, desde o processo de aplicação e dosagem até o treinamento dos trabalhadores para manuseio correto dos produtos e utilização adequada de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). Após apresentar o Plano de Ação do Indea/MT para 2021, Tonello destacou que em 2020 foram realizadas 11.836 fiscalizações de agrotóxicos e afins.
Em nome da Federação dos Trabalhadores na Agricultura em Mato Grosso (Fetagri), o diretor José Luiz Carvalho falou sobre a atuação do sindicato no combate ao trabalho escravo, sobre registros dos empregados, descarte de vasilhames de agrotóxicos e capacitação dos trabalhadores. Encerrou sua fala solicitando que os sindicatos sejam notificados dos Termos de Ajuste de Condutas (TACs) firmados para que possam, juntamente com o MPT, fiscalizar o cumprimento das obrigações assumidas pelos empregadores.
A doutora em Saúde Coletiva, pesquisadora e professora adjunta da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Márcia Corrêa, apresentou os resultados do projeto “Avaliação da Contaminação Ocupacional, Ambiental e em Alimentos por Agrotóxicos na Bacia do Juruena”, desenvolvido entre 2014 e 2019 pelo Núcleo de Estudos Ambientais e de Saúde do Trabalhador (Neast) da UFMT, com a cooperação técnica com o MPT.
O projeto rendeu publicações de diversos artigos. “Montamos um grande banco de dados de morbidades referidas, elaboramos documentários, manuais técnicos, folders, banners, cartilhas, livros, capítulos de livros, um material bastante importante para divulgação científica, além da participação em audiências, congressos e movimentos sociais, na perspectiva da devolutiva desses resultados”, acrescentou Márcia.
Resultados
A professora Márcia explicou que o objetivo do projeto foi investigar o impacto do uso dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores e no ambiente ocupacional e geral por meio da avaliação do nível de contaminação nas águas (potável, rios e psicultura), no ar e nos sedimentos de rios e alimentos (soja, milho, girassol, sementes de algodão, peixes, bovinos, hortaliças nas hortas e de mercados) na Bacia do Juruena.
Os municípios da Bacia do Juruena — Campo Novo do Parecis, Campos de Júlio, e Sapezal —, foram escolhidos por estarem entre os maiores produtores agrícolas do estado. Entre os resultados da pesquisa estão os que indicam a presença de resíduos na urina e no sangue de trabalhadores rurais e de professores urbanos e rurais dessas três cidades.
Levando-se em consideração a área plantada, a população e o volume de agrotóxicos aplicado, a pesquisa revelou em 2015 que cada habitante de Campos de Júlio estava exposto, em média, a 606 litros de veneno por ano. Em Campo Novo do Parecis a média era de 209,4, e, em Sapezal, de 364. Em Mato Grosso, a exposição média era de 46 litros naquele ano, quantidade seis vezes maior que a média nacional, de 7 litros per capita/ano.
Chamou atenção a linha de pesquisa que mostrou a contaminação do ar e da água da chuva e de poços artesianos de seis escolas da região. Em sua dissertação de mestrado intitulada “Agrotóxicos, vulnerabilidades socioambientais e saúde: uma avaliação participativa em municípios da bacia do rio Juruena, Mato Grosso”, Lucimara Beserra analisou e identificou os tipos e a quantidade de resíduos de agrotóxicos. O mapeamento do território indicou uma perigosa proximidade de lavouras com as escolas dos municípios, tanto na área rural quanto urbana.
Das 18 amostras de água dos poços artesianos analisadas, 61% tiveram resultado positivo para agrotóxicos. Foram detectados, inclusive, resíduos dos herbicidas atrazina (0,12 µg/L a 0,28 µg/L), substância proibida pela União Europeia desde 2004, e do metolacloro (0,34 µg/L a 0,63 µg/L).
As pesquisas mostraram, ainda, que a poluição atmosférica por agrotóxicos está diretamente relacionada ao período de pulverização das lavouras, o que reforça a necessidade de controle e fiscalização da atividade, principalmente nos meses já conhecidos como os de combate às pragas nas plantações.
As maiores incidências de intoxicações agudas, malformações e canceres infanto-juvenis formam detectadas nas regiões de maior produção e consumo de agrotóxicos ou em Sinop, Rondonópolis e Água Boa. As maiores incidências de intoxicações agudas ocorreram nos meses de safra.
Dos 88 tipos de agrotóxicos detectados nos três municípios, 67% são considerados extremamente tóxicos. Em 2019, o glifosato continuava sendo o veneno mais consumido — até seis vezes mais que o segundo colocado, o herbicida 2,4-D, associado ao câncer e a problemas hormonais e reprodutivos.
Próxima reunião
A próxima audiência será agendada oportunamente ainda para o primeiro semestre de 2021, em local previamente informado ou de forma virtual, a depender da situação da pandemia de Covid-19 no estado.
Também participaram da reunião o procurador de Justiça Luiz Alberto Esteves Scaloppe, o promotor de Justiça Marcelo dos Santos Alves Corrêa, da Promotoria de Justiça Civil da Comarca de Campo Verde; Herman Oliveira, secretário executivo do Fórum Mato-Grossense de Meio Ambiente e Desenvolvimento (Formad); a educadora Fran Paula de Castro, da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE Mato Grosso); o professor da UFMT Maelison Silva, também representando o Conselho Regional de Psicologia (CRP); Adriana Werneck Regina, secretária executiva da Operação Amazônia Nativa (Opan); o agente pastoral Wellington Douglas, da Comissão Pastoral da Terra (CPT-MT), entre outros.
Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)
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