Artigo | O uivo do trabalhador sem voz
Por Jéssica Marcela Schneider*
"Uivemos!, disse o cão” é a oração que dá início a um dos mais célebres títulos da literatura portuguesa moderna.
No romance, o uivo do cão representa a resistência, e o imperativo conclama o cidadão a exercer seu papel na sociedade. Em paralelo e à semelhança do que ocorre em um ano incerto no país fictício de José Saramago, no Brasil real e atual, também a população assiste aos acontecimentos baseada em dados nem sempre precisos, ao interesse daqueles que os detêm.
A institucionalização da informalidade foi apresentada como estratégia para a geração de postos de trabalho e a redução de direitos por imposição da parte mais forte foi maquiada e vendida sob a falsa ideia da livre negociação.
Em suma, direitos indisponíveis foram disponibilizados, mas - fique tranquilo, trabalhador! - somente mediante comum acordo. A redução de quaisquer dos direitos antes garantidos por lei será agora condicionada à anuência do obreiro, que, a seu turno, depende da relação de trabalho - e que não mais necessariamente será de emprego - para seu sustento e nada pode oferecer em troca àquele que lha oferta, a não ser a preciosa virtude da atualidade: resiliência.
Resiliência foi a postura exigida do trabalhador diante do cenário econômico desfavorável e o é também agora, embora implicitamente. A propaganda que incute no obreiro a falsa sensação de poder (de negociação) e, simultaneamente, incita-o ao trabalho beira a crueldade. Como mágica, milhares de brasileiros antes subordinados tornar-se-ão, do dia para a noite, empreendedores, “donos do próprio negócio” ou, ainda que se mantenham empregados, serão enfim livres para negociar, sem se aperceber, no entanto, que perder menos não significa ganhar mais.
Em meio à selvageria transfigurada em forma de mesa redonda, remanescem os Órgãos de defesa dos direitos sociais. Ao menos estes, não obstante os sucessivos ataques e respeitada, evidentemente, a ordem das instituições, seguirão lutando pela preservação e ampliação das garantias já conquistadas pela classe trabalhadora.
Uivemos!
*JÉSSICA MARCELA SCHNEIDER é Procuradora do Trabalho.
Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta no dia 17 de novembro de 2017.