Combate à escravidão, uma política de Estado

*Por Tiago Muniz Cavalcanti

Este sábado (28) é o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, uma data que rende homenagem à memória de três auditores fiscais do trabalho e um motorista brutalmente assassinados no ano de 2004, enquanto fiscalizavam fazendas de feijão na região de Unaí (MG).

Ao mesmo tempo em que torna inesquecível a lancinante agressão à instituição comprometida com a tutela dos direitos trabalhistas, o dia 28 de janeiro objetiva alertar a sociedade para uma realidade inescusável: o combate à escravidão não é uma política de governo passível de variações ideológicas e partidárias, mas uma política permanente de Estado que decorre de compromissos assumidos pela República Federativa do Brasil em âmbito internacional.

Não à toa, o enfrentamento à escravidão contemporânea no Brasil teve início na década de 1990, com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, e foi continuado e aprimorado nos governos imediatamente seguintes, com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

Dentre as relevantes medidas adotadas, merecem destaque a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, em 1995; a alteração legislativa que tornou mais claro e didático o conceito de trabalho escravo, em 2003; a implementação de um cadastro nacional onde constam os nomes dos empregadores vinculados à prática do trabalho escravo –a famosa Lista Suja–, também em 2003; e o confisco de propriedades urbanas e rurais onde forem localizadas a exploração do trabalho escravo, em 2014.

Atualmente, no entanto, todas essas medidas estão em xeque.

O líder do governo no Congresso Nacional, Romero Jucá (PMDB-RR), é o autor do projeto nº 432/13 que, a pretexto de regulamentar a expropriação de terras dos empregadores escravagistas, visa à alteração do atual conceito legal de trabalho escravo, de modo a condicionar sua ocorrência à restrição da liberdade de locomoção, assemelhando-o à figura do cárcere privado.

A intenção é muito clara: chamar de escravo apenas quem esteja acorrentado, não importando as condições subumanas das vítimas, exploradas de sol a sol e que habitam com animais, com eles compartilhando bebida e comida.

No Ministério do Trabalho, as coisas vão de mal a pior: sucateamento da auditoria do trabalho, loteamento político de cargos em áreas técnicas, insuficiência no número de equipes para atender as denúncias de trabalho escravo e, não menos grave, adoção de postura omissa injustificada na publicação da Lista Suja, um instrumento reconhecido pela ONU e OIT como algo que deve servir de exemplo a outros países do mundo.

Como se vê, o combate à escravidão contemporânea não tem sido apenas reflexamente atingido pelas reformas trabalhistas precarizantes: o governo tem deixado evidente que não pretende dar continuidade à política de Estado iniciada há 21 anos, logo após a consolidação do regime democrático.

Além de violar os compromissos assumidos no plano externo e de representar um desrespeito a direitos fundamentais estabelecidos no texto constitucional, a atual política de governo agride direta e textualmente relevantes obrigações previstas no II Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

Neste sábado, dia de rememorar conquistas e resistir contra eventuais retrocessos aos passos já trilhados em prol da erradicação, a sociedade clama para que o governo reveja sua postura incompatível com a tutela dos direitos humanos e promova a mais nobre política de Estado que elevou o Brasil a país-modelo em âmbito internacional: o combate à escravidão.

*TIAGO MUNIZ CAVALCANTI é coordenador nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho

 Artigo publicado orginalmente pela Folha de S. Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2017/01/1853285-combate-a-escravidao-uma-politica-de-estado.shtml

Combate à escravidão, uma política de Estado

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