Artigo: Dias joanísticos

Por Rodrigo Assis Mesquita*

13/12/2016 - Uma joaninha comum, de pintinhas pretas numa carapaça vermelha, é dominada por uma sombra que cresce na grama à frente. Quando se dá conta, uma vespa arremete contra o seu corpo e lhe injeta um pequeno ovo. Tempos depois, a joaninha sente algo mudar dentro de si conforme a larva emerge e se desenvolve. A joaninha, antes preocupada apenas com a própria vida e a de sua família, passa a ter uma necessidade incontrolável de defender o filhote da vespa. A larvinha agora é como sua filha. Daria a vida por ela.

Já a vespa, que por acaso é da espécie Dinocampus coccinellae, se encontra com outras vespas num galho de árvore muito seleto e conta a história de como contratou uma joaninha para cuidar de seu filhote, defendendo-a, em troca, de predadores malévolos.

A joaninha então vai comendo e andando pelos gramados sob a direção da nova vespa, que monta em seu ventre, e vive assim até o fim dos seus dias joanísticos. A joaninha perde a saúde, os sonhos, a joanidade e a identidade e passa a existir apenas em função da vespa, pois parece que não tem escolha.

Não faltam vespas e joaninhas no mundo do trabalho. A desproteção do trabalho, do salário e da jornada são injetadas na mente do trabalhador como o ovo da vespa. Os “gestores” do trabalho estabelecem falsas escolhas para direcionar as joaninhas, que se acham livres e detentoras do próprio destino ao optar por uma ou outra. E as joaninhas passam a defender o discurso das vespas.

Mais uma vez, alardeia-se uma crise econômica e pregam-se medidas drásticas contra os trabalhadores, como a terceirização ilimitada com a destruição de garantias mínimas, o aumento da jornada de trabalho e a renúncia coletiva de direitos.

Os defensores dessas medidas propositalmente se esquecem de outras soluções, como o fim dos multibilionários incentivos fiscais para as grandes empresas, a cobrança de tributos sobre grandes fortunas, o aumento da alíquota do imposto sobre a herança, a correção e o aumento das faixas do imposto de renda, a auditoria da dívida pública interna e externa, a regulação dos juros bancários, dentre outras.

Estabelece-se uma falsa escolha entre o fim do direito do trabalho e o fim do país, levando o Brasil para perto de países subdesenvolvidos de viés autoritário. Nenhum país sério e comprometido com a justiça social e a democracia sujeita o seu povo a um aniquilamento de direitos do tipo “terra arrasada”.

O Ministério Público do Trabalho é uma instituição que defende os direitos sociais dos trabalhadores e compõe uma rede de proteção das relações de trabalho ao lado, por exemplo, da fiscalização do Ministério do Trabalho e da Organização Internacional do Trabalho, agência do sistema das Nações Unidas - ONU. Contudo, é importante que os próprios trabalhadores, diretamente e por meio dos sindicatos legítimos e representativos, tomem consciência da grave ameaça aos próprios interesses e se defendam.

Pior do que o jugo do corpo, que pode ser quebrado facilmente, é a dominação da mente, que leva o subjugado a agir contra os próprios interesses. Porém, se existem joaninhas que conseguem se libertar das vespas Dinocampus coccinellae, com maior razão os trabalhadores têm condições de se libertarem desse pensamento deletério e de viverem uma vida boa num emprego digno e recompensador. Uma sociedade produtiva e justa só é possível com o respeito a um patamar mínimo de direitos humanos fundamentais internacionalmente reconhecidos.

*RODRIGO ASSIS MESQUITA é Procurador do Trabalho 

Artigo originalmente publicado no Jornal A Gazeta do dia 12/12/2016: http://www.gazetadigital.com.br/conteudo/show/secao/60/og/1/materia/498016/t/dias-joanisticos

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