Artigo | A farsa: no topo de Manhattan ou no Seridó

Por Leomar Daroncho*

A foto “Almoço no Topo de um Arranha-céu” (Lunch atop a Skyscraper) registra a aparente naturalidade de operários numa viga de aço no 69º andar do Rockefeler Center, há 85 anos. Publicada pelo jornal New York Herald Tribune em 2 de outubro de 1932, é um dos ícones mais reproduzidos do século XX.

No Brasil, quando a Constituição cidadã completa 29 anos, a investida contra os direitos sociais incorpora agressivo ataque ao trabalho do Ministério Público e ao Poder Judiciário, que têm a missão constitucional de dar efetividade aos direitos fundamentais.

“Modernos” empreendedores pretendem driblar as obrigações trabalhistas. Refugiam-se em rincões em que a fiscalização do Estado e a atuação sindical se mostram improváveis. Regiões carentes de empregos, com fartos estímulos aos empresários, tornam-se palco de condutas que pretendem naturalizar o desrespeito a direitos trabalhistas básicos. Como se tudo fosse permitido a quem “dá empregos”.

Mantendo o domínio sobre a atividade, simulam transferir a produção para pequenas oficinas, sem condições técnicas e econômicas de suportar os riscos do negócio. A prática ignora as condições mínimas de trabalho, inclusive de segurança e saúde. Sob a aparência de contratos de facção, por vezes com exclusividade, ocultam a ingerência direta, técnica e econômica, na cadeia de produção. Formalizam negócio diverso daquele que corresponde à natureza das coisas.

Quando há robusta prova demonstrando a farsa que lesa os trabalhadores, no mundo real, a Justiça do Trabalho, acertadamente, obsta a ilicitude. A Constituição respalda sobejamente a correção imposta pelo Judiciário. A CLT também nega validade a atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos que protegem o trabalho digno. A simulação é repelida inclusive pelo Código Civil.

A valorização dos trabalhadores deve ir além das elegantes cartas de intenções destinadas a seduzir os bancos oficiais de fomento.

A esperteza atenta contra os trabalhadores, a concorrência e a sociedade. O ilícito arranjo transfere renda, em sentido inverso ao determinado pela Constituição, para opulentos beneficiários do BNDES, que tem a missão de “Promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais”.

Impulsionados por crédito oficial e incentivos fiscais, transgressores assumem o papel de arautos da livre iniciativa e do empreendedorismo. Rejeitam e criticam a atuação dos órgãos de controle por exercerem a obrigação de ajustar as condutas desviantes do comando constitucional que determina seja a ordem econômica fundada, também, na valorização do trabalho humano, com o fim de assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170/CF).

Diante da falta de argumentos técnicos para contrapor a atuação firme da ação de fiscalização, apelam para a insana e violenta agressão ao Estado, aos agentes públicos e às balizas que condicionam a legitimidade da ordem econômica e dos generosos empréstimos públicos. Os ataques irascíveis reclamam contundente resposta estatal.

O violento comportamento, exagerado e oportunista, sensibiliza, constrange e insufla inclusive os trabalhadores. São arrastados para um discurso farsesco que, em seguida, será utilizado para a substituição deles mesmos por “colaboradores” contratados por facções.

A foto do que seria um almoço espontâneo de 11 operários a 256 metros do chão, sem dispositivos de segurança, segue intrigando historiadores e estudiosos. Anos de investigação revelaram que, ainda que a foto seja real, o episódio teria sido encenado. A serena “adesão” dos operários-equilibristas colaborou para a farsa de um golpe publicitário em meio à Grande Depressão. Os “colaboradores” eram pobres imigrantes irlandeses chegados à Manhattan num momento em que os índices de desemprego batiam em 25%.

Em momentos de excepcionais dificuldades, repaginados discursos que simplificam a solução para problemas graves, em tom de bravata, podem atrair os aplausos até mesmo daqueles que serão os grandes prejudicados pela eliminação das garantias que visam à construção de uma sociedade livre, justa e solidária que, garantindo o desenvolvimento nacional, viabilize a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais e regionais.

A farsa, no método e no discurso, ronda os momentos de crise, em Manhattan ou no Seridó.

*LEOMAR DARONCHO é Procurador do Trabalho

Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense em 02/10/2017.

Foto de capa: TIME

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