MPT obtém liminar contra empresa dona de fazenda atingida pelas queimadas que assolaram o Pantanal em 2020
Um trabalhador que estava combatendo o incêndio morreu após ter praticamente 100% do corpo queimado
02/02/2021 - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve, no dia 27 de janeiro, uma liminar em face da Agropecuária Grendene Ltda. A decisão obriga a empresa a adotar medidas de segurança em casos de incêndios e fixa multa de R$ 100 mil pelo descumprimento. No dia 6 de setembro de 2020, um trabalhador chamado Luciano da Silva Beijo teve quase 100% do corpo queimado enquanto combatia o fogo que se alastrava pela Fazenda Ressaca, às margens da BR-070, na Serra do Facão, em Cáceres. O zootecnista faleceu três dias depois, aos 35 anos de idade, deixando esposa e duas crianças.
O trabalhador e os demais empregados que o acompanhavam na atividade de combate ao incêndio não eram bombeiros civis, não possuíam capacitação para enfrentar o incêndio que atingiu a propriedade rural e tampouco receberam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados. A falta de preparação ficou evidente, pois não havia qualquer previsão desse risco no Programa de Gestão de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho Rural (PGSSMATR) e nos documentos requisitados pelo MPT à empresa.
“Se dificilmente os bombeiros conseguem controlar as queimadas que assolam o Pantanal, não se justifica querer exigir que zootecnistas, operadores de máquinas e trabalhadores rurais em geral tenham que desempenhar atividades de combate direto ao fogo em tais condições”, enfatizou o MPT na ação civil pública ajuizada em 21 de janeiro.
No curso da investigação, verificou-se que o PGSSMATR da empresa, embora assinado em 18 de agosto do ano passado – ou seja, poucos dias antes do acidente de trabalho que consumiu quase 100% do corpo de Luciano da Silva Beijo –, não contempla os riscos ambientais relacionados à fumaça e ao fogo das queimadas que assolam Mato Grosso todos os anos.
“Ocorre que, além de anualmente ocorrerem queimadas na região, na época em que foi finalizado o PGSSMATR, em agosto de 2020, já estava claro que o Estado de Mato Grosso estava sofrendo seca recorde e queimadas devastadoras. Então, se havia risco de os trabalhadores serem expostos à fumaça e ao fogo de queimadas, obrigatoriamente deveria ter sido feita a identificação dos riscos ambientais no PGSSMATR, algo que não foi observado pela ré’, apontou o MPT.
Na liminar concedida na última quarta-feira, o juiz Luiz Fernando Leite da Silva Filho, em atuação na Vara do Trabalho de Cáceres, concordou que a conduta da Agropecuária Grendene pode expor outros empregados ao risco de novos acidentes. Ele reforçou que há, no ordenamento jurídico, um conjunto de normas protetivas da saúde e segurança do trabalhador, não sendo possível admitir que a energia laboral do indivíduo seja explorada sem o devido respeito a tais normas, sob pena de flagrante violação à dignidade do ser humano ou, pior, à vida humana.
“Tratando-se de atividade extremamente perigosa, o combate aos incêndios deve ser realizado apenas por profissionais altamente capacitados, integrantes dos quadros do Corpo de Bombeiros Militar ou que exerçam a profissão regulamentada de bombeiro civil. Nem mesmo os brigadistas da empresa devem ser obrigados a combater incêndios já instalados. (...) Ademais, nos casos em que tal combate seja estritamente necessário, para salvaguarda da própria vida do empregado e de terceiros, o mínimo que se exige é que o empregador capacite adequadamente os trabalhadores, segundo as normas técnicas de segurança”.
O magistrado observou, analisando as provas apresentadas pelo MPT, que a empresa, além de não capacitar adequadamente o zootecnista Luciano da Silva Beijo para o exercício da atividade de combate a incêndio, não disponibilizou os Equipamentos de Proteção Individual adequados para diminuir os riscos.
Os EPIs para atividades com esse grau de risco devem proteger os olhos, membros inferiores, membros superiores, cabeça e tronco. Todavia, de acordo com o registro mantido, o último EPI entregue ao trabalhador foi uma botina de segurança, de Certificado de Aprovação (CA) 28026, em 20/07/2020, sendo que, segundo o site de consulta de CA, tal EPI se encontra com CA vencido desde 17/03/2020. “Em todo caso, essa botina não contém proteção contra riscos térmicos”, complementa o MPT na ação.
Risco de novos acidentes
A empresa, por não contemplar em seu programa de segurança o risco decorrente das queimadas, cometeu sucessivos erros de gestão do meio ambiente de trabalho seguro. Por esta razão, a Justiça do Trabalho atendeu parcialmente o pedido de tutela de urgência e determinou que a Agropecuária Grendene adote três medidas.
Uma delas é abster-se de exigir dos empregados que não exerçam a profissão de bombeiro civil a realização de atividades de combate a incêndios já instalados, ressalvada a possibilidade de combate de princípio de incêndio pelos empregados que componham brigada de incêndio, a qual deve estar em conformidade com as normas técnicas dos Bombeiros, que exigem treinamento específico e diversos outros requisitos.
A segunda é a obrigação de fornecer aos empregados que realizarem qualquer atividade de combate a incêndios os EPIs adequados, aptos a assegurar a proteção adequada dos trabalhadores. Por último, a empresa deverá elaborar, no prazo de 30 dias, novo Programa de Gestão de Segurança, Saúde e Meio Ambiente do Trabalho Rural (PGSSMATR), com a devida identificação dos riscos de acidentes gerados pelas queimadas ocorridas na região.
Outros pedidos
O MPT ainda aguarda a publicação da sentença, inclusive a decisão quanto aos pedidos de indenização. O órgão pede a condenação da empresa ao pagamento de reparação por danos morais coletivos e por danos morais individuais em benefícios dos filhos e da esposa.
O MPT também pede que a Agropecuária Grendene assuma a obrigação de prover alimentos às crianças e à viúva de Luciano da Silva Beijo, por meio do pagamento de pensão mensal. No caso dos filhos, a pensão deverá ser paga até eles completarem 25 anos.
“Luciano da Silva Beijo deixou uma esposa e dois filhos. Deve-se, então, compensar os familiares que ficaram sem pai e sem esposo. A intensidade do sofrimento e da dor são incomensuráveis. A morte do pai provoca e provocará reflexos em toda a existência dessas crianças, que crescerão privadas de sua presença. Além da morte cruel e dolorosa, o fato de o corpo estar totalmente queimado e desfigurado impediu até mesmo que fosse exposto em um velório normal, impedindo que os familiares trabalhassem adequadamente seu luto e seguissem todos os rituais que o momento de despedida exige. Mesmo quando o corpo é exibido nessas situações, o fato de estar desfigurado gera dor e abalos emocionais, deixando como última imagem da pessoa querida um rosto destruído e deformado. Isso tudo justifica que o valor da compensação seja ainda mais elevado”, concluiu o MPT.
ACPCiv 0000010-52.2021.5.23.0031
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