“Quando se trata do grupo LGBT, a sociedade é implacável”, diz aluna beneficiada por projeto do MPT
14/06/2019 - “Acho que a sociedade, os empresários, as pessoas tinham que dar mais oportunidade, visar mais as pessoas menos favorecidas. Não é fácil, nada é fácil, aliás, nada é fácil para ninguém, mas quando se trata do grupo LGBT, a sociedade cobra, é implacável, mas ninguém abre uma porta, ninguém faz igual a esse projeto. Em pleno século 21 ainda estamos naquele atraso”. A fala é Paola Isabelly Silveira Pereira, uma das 13 formandas do projeto “Realizando Sonhos. TRANSformando Vidas", fruto de uma parceria entre o MPT e a Obra Kolping de Rondonópolis.
A cerimônia de entrega de certificados ocorreu na semana passada, um ano e quatro meses após o início das aulas. O encerramento do projeto contou com a presença da coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidade e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do MPT, Valdirene de Assis, e do procurador do Trabalho Leonardo Lobo Acosta, da PTM de Rondonópolis.
Paola é paranaense, filha de baianos. Morando em Mato Grosso há 22 anos, pode dizer, sem medo de errar, que o preconceito é, ainda, uma grande barreira. “Muitas trans estão em situação de rua, de albergue, porque muitos da família não apoiam, aí a sociedade não apoia, não dá emprego. Por que muitas trans sobrevivem do corpo? Pelo fato de não terem oportunidade. Aí as pessoas falam ‘ah, tem que estudar’, mas eu conheço pessoas, inclusive eu, que só tenho o primeiro ano do ensino médio, que não completaram os estudos pela questão do preconceito. Existe infelizmente muita homofobia, transfobia, o Brasil inteiro é homofóbico, então a gente tem que se agarrar com Deus, se qualificar, dar a cara para bater mesmo, não ter medo e se agarrar às oportunidades”, desabafa.
Hoje, Paola é dona de um pequeno salão na cidade. “Foi uma benção que Deus colocou na minha vida, uma qualificação que está sendo maravilhosa para mim e um divisor de águas. Eu sempre venho aqui na instituição atrás de curso profissionalizante, até que abriu essa brecha, essa oportunidade. (...) A gente vive buscando e todo dia eu procuro melhorar meu desempenho e daqui um tempo me qualificar mais”.
Durante o evento, a procuradora do Trabalho Valdirene ressaltou que, além da valorização da diversidade nos projetos de empregabilidade do órgão, é consequência natural dessa atuação a visibilidade da causa de homens e mulheres transexuais e de travestis como forma de combater a discriminação e a violência.
“Quando a gente pensa na parcela da população LGBTI, a gente sabe que a parcela mais vulnerável dessa população é a população trans. Estou falando de homens e mulheres transexuais e de travestis, pessoas que têm expectativa de vida de 35 anos, ao passo que as outras pessoas da nossa sociedade têm expectativa de 75 anos. (...) E uma pessoa não pode ser vítima de discriminação por essas razões. Nenhum ser humano deve ser vítima de discriminação”, frisou.
Em sua fala, o procurador do Trabalho Leonardo Acosta explicou que o MPT viabilizou a capacitação por meio de destinações de multas e de indenizações por danos morais coletivos pagas por empresas que cometeram irregularidades trabalhistas. “O que nos move no dia a dia é isso, saber que o Ministério Público, principalmente o Ministério Público do Trabalho, que é o Ministério Público mais vocacionado para a causa social, pode fazer mudanças na realidade da localidade que é prejudicada. A gente está no caminho e, ainda mais nos tempos de hoje, a gente tem que seguir forte”.
O defensor público Vinicius William Ishy Fuzaro parabenizou a Obra Kolping e o MPT pelo projeto. “(...) a gente vive numa cidade que é tão desigual e a gente precisa de pessoas que deem atenção para quem precisa de atenção. Vocês merecem todos os parabéns por esse projeto”, salientou. Na ocasião, ele entregou os novos documentos às mulheres que solicitaram a retificação de nome e gênero.
Trabalhando na Obra Kolping há cinco meses, a assistente social Isabel Cristina Machado acompanhou a reta final da formação. “Acredito que o objetivo do projeto foi alcançado, que era transformar vidas, principalmente desse público que tem uma vida tão sacrificada, com muito preconceito. Algumas delas já estão saindo com certificados na mão, prontas para serem inseridas no mercado de trabalho. Uma delas já montou seu próprio salão de beleza, algumas delas vão voltar para seus estados de origem, junto com a família, já com uma profissão. Queríamos contribuir para que elas saíssem dessa profissão de risco que elas correm e, graças a Deus, tivemos um bom resultado”.
O presidente da Obra Kolping, padre Aladim Leodenis Loureiro, observou que essa é a primeira vez que a entidade desenvolve um projeto que contribui para o enfrentamento das diversas formas de violação de direitos da população trans.
“Fomos procurados pelo MPT para desenhar um projeto para esse público e assim foi feito. Desenhar esse projeto, ‘Realizando sonhos, transformando vidas’, foi algo muito desafiador, primeiramente que a instituição nunca desenvolveu um trabalho até o presente momento voltado para esse público. Depois, como na cidade também não tinha nenhum projeto consistente voltado para esse público, com foco no empreendedorismo na área da beleza, não tinha onde se espelhar. Trata-se de um projeto piloto, então enfrentamos vários desafios depois que ele foi feito e fizemos adequações do mesmo. Esses desafios foram ultrapassados”.
Dados
Estimativas da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) revelam que 90% das travestis e transexuais brasileiras vivem da prostituição. Principal motivo: muitas são expulsas de casa cedo, com 12 ou 13 anos de idade, assim que começam a revelar a identidade de gênero e orientação sexual. Depois, não conseguem apoio da rede pública e têm oportunidades de trabalho negadas.
De acordo com relatório da Antra, entre janeiro e dezembro de 2017, 179 travestis e transexuais foram assassinados no Brasil. "Eu tive oportunidade de dar entrevista antes do início do evento e eu disse, mas eu não canso de repetir isso: o Brasil é campeão mundial em homicídios de pessoas em razão da sua orientação sexual ou da sua identidade de gênero", salientou a coordenadora da Coordigualdade.
A ex-presidente do Grupo de Apoio a Travestis e Transexuais de Rondonópolis (GATTRS), Adriana Liário, responsável pela seleção da primeira turma, explicou, na época, que o critério para a escolha das participantes do projeto foi justamente a vulnerabilidade social. “As alunas, que são todas moradoras fixas da casa de transição, mantida pela GATTRS, ou são mais velhas ou têm algum tipo de limitação física. São mulheres que já não podem mais trabalhar como sempre fizeram, na prostituição, e não têm mais outra fonte de renda. Precisam fazer o curso para se profissionalizarem e conseguirem se sustentar. É uma oportunidade muito importante para que elas possam, de fato, sobreviver”.
Informações: Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT)
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