Justiça suspende revisão da NR 36
Decisão atendeu ao pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que aponta graves violações no procedimento de revisão da Norma Regulamentadora que estabelece parâmetros mínimos de saúde e segurança no trabalho em frigoríficos
27/01/2022 - O desembargador Pedro Luís Vicentin Foltran, do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, atendeu ao pedido feito pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e suspendeu os procedimentos de revisão da Norma Regulamentadora nº 36 (NR 36), que estabelece parâmetros mínimos de saúde e segurança no trabalho em frigoríficos.
O MPT ressalta que a decisão de suspender a tramitação da reforma da NR 36 não prejudica o setor, pois há uma norma em vigor, com obrigações já assimiladas pelas empresas e conhecidas pelos trabalhadores. Além disso, a decisão judicial, que impede a tramitação açodada de uma norma prejudicial, protege a saúde e a vida dos trabalhadores, mantém a segurança jurídica e o ambiente concorrencial em níveis saudáveis.
Segundo Foltran, o processo tem instigado debates entre os profissionais da área de saúde e entidades sindicais “por conta dos prazos exíguos concedidos que impossibilitam a participação efetiva dos sindicatos e interessados, obstando o diálogo social adequado no processo de reformulação da norma”. Para o desembargador, não há como ignorar que a discussão pode envolver direitos de populações indígenas, imigrantes e de sindicatos, sendo necessária a apuração dos fatos apresentados pelo MPT, devendo ser suspenso o processo de revisão da NR 36.
A ação do MPT aponta para duas graves violações: ausência de consulta prévia às populações indígenas e inconsistência do relatório de Análise de Impacto Regulatório, estudo do Governo que justificaria a necessidade de revisão.
A decisão judicial estabelece multa diária de R$ 50 mil, em caso de descumprimento.
Os procuradores do Trabalho Márcia Kamei, Luciano Leivas, Sandro Sardá, Leomar Daroncho, Lincoln Cordeiro, Cristiano Paixão, Sebastião Caixeta, Joaquim Nascimento e Marici Coelho assinam a ação.
90 acidentes de trabalho por dia
O setor frigorífico, que emprega cerca de 550 mil trabalhadores, é a atividade industrial que mais registra acidentes de trabalho no Brasil, sendo marcado pelo ritmo excessivo em ambiente frio, com jornadas exaustivas e grande esforço, em ambientes com baixas concentração de ar, além do risco de vazamento de amônia e de acidentes com amputações e morte.
Trabalhadores em frigoríficos chegam a realizar até 90 movimentos por minuto, quando a recomendação médica é de que o limite para evitar adoecimentos deveria ser três vezes menor.
Dados oficiais apontam que em 2019 ocorreram 23.320 acidentes de trabalho em frigoríficos, resultando em 90 acidentes por dia útil de trabalho. Entre 2016 e 2020, foram registrados 85.123 acidentes típicos e adoecimentos ocupacionais no setor, com 64 óbitos. Os dados reais são mais graves, pois o Ministério do Trabalho e Previdência admite que há subnotificação da ordem de 320% no setor.
Empresas defendem fim das pausas
Em 2013, em razão do elevado contingente de empregados lesionados pelo trabalho, a NR 36 foi publicada, contendo parâmetros mínimos de saúde e segurança no setor de frigoríficos. A norma contou com o consenso do Governo, de empresas e de trabalhadores.
Uma das medidas mais importantes na redução dos acidentes de trabalho e doenças ocupacionais constantes na NR 36 foi a previsão de pausas de recuperação psicofisiológicas de 60 minutos ao dia, distribuídas em seis pausas de dez minutos ou em três pausas de 20 minutos.
Em outubro de 2021, o Governo Federal iniciou os trabalhos de alteração da NR 36. As empresas do setor passaram a defender o fim das pausas psicofisiológicas, que seriam adotadas somente quando definidos pelos estudos ergonômicos elaborados pelas próprias empresas.
Segundo os coordenadores do Projeto Nacional de Adequação de Frigoríficos do MPT, “a proposta das empresas do setor implicará supressão das pausas, mais importante medida de proteção à saúde nos frigoríficos brasileiros, o que resultará no retorno de uma legião de empregados lesionados, situação verificada antes da edição da NR”.
Violação da Convenção 169 da OIT
Os frigoríficos brasileiros empregam milhares de indígenas. Em 2020, estima-se que mais de 10 mil tenham trabalhado em frigoríficos em todo o país.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) assegura a consulta prévia aos povos indígenas, por meio de suas instituições representativas, cada vez que se discuta medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. Segundo a Constituição Federal e os precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF), os princípios da prevenção e da precaução, além do diálogo social, devem ser observados em matéria de proteção à saúde dos povos indígenas.
Os procuradores do MPT alertam que o “Ministério do Trabalho e Previdência ignorou e ignora solenemente suas obrigações em relação às populações indígenas, eivando o processo de revisão da NR36 de vícios formais insanáveis, vulnerando o direito de participação na formulação e execução das ações preventivas de saúde que devem ser destinadas às populações indígenas, direito fundamental assegurado pela Constituição de 1988 e pela Convenção 169 da OIT”.
Os procuradores criticam o procedimento e a ausência de debate necessário para revisão de norma, que seria feita até meados de março de 2022. Para os representantes do MPT, o estudo técnico da NR 36 não contém sequer menção aos impactos nos povos indígenas e imigrantes que trabalham no setor e os dados de acidentes analisados referem-se a um período muito curto, entre 2016 a 2019, fato que prejudica a análise, pois a NR 36 data de 2013.
Adoecimento em frigoríficos
Levantamento epidemiológico realizado pelo MPT comprovou o elevado patamar de adoecimentos em frigoríficos, com significativa incidência na gestação e maternidade, além de distúrbios osteomusculares e transtornos mentais, mesmo na vigência da atual NR 36.
Análise epidemiológica realizada pelo MPT
Para os procuradores do Trabalho, o quadro de adoecimentos que afetam os direitos à maternidade, à saúde e ao trabalho decente, previstos no art. 6º da Constituição Federal, tende a ser agravado com a revisão da NR 36, como proposto pelo Governo Federal.
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