MPT obtém liminar contra empregador que convocou funcionários para ‘buzinaço’ em Cuiabá
16/04/2020 - O Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT) obteve ontem, 15, liminar em face de um sócio de três empresas de Cuiabá, duas óticas e uma papelaria, após acioná-lo na Justiça do Trabalho por convocar, via Facebook, os seus empregados a participarem de um “buzinaço” em frente à Prefeitura de Cuiabá.
Segundo explica o MPT, o empregado está em situação de inferioridade de poder no âmbito da relação de emprego, sendo muito fácil para o empregador, valendo-se de tal superioridade, impor aos empregados condutas desvinculadas do pacto laboral.
“Os trabalhadores tendem a aceitar as ordens do patrão, mesmo quando abusivas, já que têm receio de perder o emprego ou de sofrerem punições, com o exercício do poder disciplinar. Por isso, a convocação para participar de atos de protesto é potencialmente discriminatória, ante a sempre possível sanção a empregados com opinião diversa, caracterizando-se discriminação por razões de ordem política, conduta vedada pela Convenção 111 da OIT e pela Lei 9.029 de 1995”.
Pela decisão, o empregador deverá comprovar no prazo de 24 horas, sob pena de multa diária, a publicação, no mesmo meio, da seguinte mensagem: “Os trabalhadores são titulares de direitos fundamentais da liberdade de pensamento e de convicção política, não podendo os empregadores e empresários convocarem-nos para participar de atos de protesto ou outros atos desvinculados de seus deveres como empregado”.
O juiz do Trabalho Aguimar Martins Peixoto, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, também determinou com o empresário se abstenha de influenciar politicamente seus empregados com relação a temas desvinculados das obrigações do contrato de trabalho. Ele também não poderá convocar, induzir a participação ou exigir comparecimento de seus empregados a manifestações de natureza política ou de debate público desvinculadas do contrato de trabalho, especialmente atos de protesto contra as medidas do Poder Público.
A decisão permanecerá em vigor enquanto perdurar o estado de calamidade pública no Brasil decorrente da pandemia da Covid-19.
O magistrado explicou que, embora os empresários tenham, como cidadãos vivendo em uma democracia, o direito de se manifestarem contrariamente aos atos de qualquer governo, não podem coagir os seus empregados a fazerem o mesmo, sob pena de abuso de seu poder diretivo. Além disso, estariam violando, por consequência, direitos fundamentais de seus funcionários garantidos pela Constituição, como a liberdade de pensamento, de convicções políticas, de imagem e intimidade, bem como o direito de não ser obrigado a fazer ou não fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
O juiz esclareceu que, em 30 de janeiro de 2020, o surto da doença causada pelo novo coronavírus (Covid-19) foi classificado como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, o mais alto nível de alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS). Nesse sentido, pontuou que, considerando o cenário atual delicado de pandemia, o direito à segurança e à própria vida devem prevalecer.
“Não restam dúvidas de que as pessoas possuem liberdade de expressar os seus pensamentos e opiniões, contudo, dada ao momento delicado em que estamos vivendo não só no Brasil, mas em todo o mundo de uma forma geral, se este direito, ao ser exercido, ocasionar um desrespeito às atuais recomendações internacionais da Organização Mundial da Saúde, reforçadas pelo Ministério da Saúde, culminando em uma aglomerações de pessoas e, por consequência, colocando em risco a segurança dos cidadãos, ao comprometer não só a saúde e a integridade física dos indivíduos que participarem destes protestos, mas também de sua família e de toda a coletividade, e, inclusive retirar-lhes a própria vida, é evidente que ele deve ser restringido”.
Por fim, ressaltou que, “considerando que é de responsabilidade do Estado a defesa dos tratados internacionais e, tendo em vista que a OMS dita as “ordens” em tempos de pandemia, deve a Justiça do Trabalho, como um ramo do Poder Judiciário, zelar pelo seu efetivo cumprimento”.
Abuso do poder diretivo
O poder diretivo do empregador, decorrente do princípio constitucional da livre iniciativa, faculta a este a organização da atividade empresarial, com a gestão e direção do trabalho alheio (art. 2º da CLT). Nesse poder se compreende a faculdade de dar ordens aos empregados, dispondo e aproveitando da força de trabalho (paga sob a forma de salário), e de fiscalizar a prestação de serviços, inclusive utilizando-se eventualmente do poder disciplinar.
O poder diretivo, contudo, não é absoluto, explica o procurador do MPT Bruno Choairy. “O poder diretivo encontra limites na própria licitude das ordens dadas e da gestão laboral empreendida e nos direitos fundamentais dos quais os trabalhadores são titulares”. “Portanto”, continua, “não pode o empregador coagir e nem mesmo insinuar a seus empregados a sua participação em ato político, de protesto contra medidas do Poder Público, exigindo a adoção de um comportamento completamente desvinculado do trabalho contratado”.
Choairy salienta que o empregador, como cidadão, pode naturalmente manifestar contrariedade contra atos do Poder Público. Na condição de empregador e gestor de trabalho alheio, porém, não pode exigir nem insinuar a seus empregados a participação em referidos atos, pois esse seria abuso do poder diretivo.
“Os empregados, ao aceitarem executar trabalho subordinado, não deixam de ser titulares de direitos da personalidade, podendo ter quaisquer opiniões sobre atos do Poder Público e qualquer posição político-ideológica”, concluiu.
ACPCiv 0000247-98.2020.5.23.0006
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